Ambas não têm mais de cem páginas. Ambas são de autores distintos. Ambas são estórias para meditar e questionar. Ambas devem ser lidas, porque eu digo que sim! :p
O Alienista, de Machado de Assis. Não podia esperar melhor deste autor. Depois de Dom Casmurro, todos os pretextos são bons para conhecer mais da sua obra. E nada como a Biblioteca de Verão do jornal Diário de Notícias para descobrir quem é este alienista.
A história passa-se na vila de Itaguahy, onde «o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas», Dr. Simão Bacamarte, decide viver depois de ter estudado em Coimbra e Pádua. É em Itaguahy, que o psiquiatra entrega-se de «corpo e alma ao estudo da ciência» e decide casar, aos 40 anos, com D. Evarista da Costa e Mascarenhas, senhora viúva, de 25 anos, que embora não bonita, nem simpática, «reunia condições fisiológicas e anatómicas de primeira ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso e excelente vista; estava assim apta para dar-lhe
filhos robustos sãos e inteligentes.» O decorrer da história encarregar-se-á de vos contar se assim foi.
O Dr. Bacamarte soube que a vereação de Itaguahy não tinha nenhuma casa de loucos e decide pedir licença à Câmara para construir um hospício, para assim tratar de todos os loucos de Itaguahy e demais vilas e cidades. E é com este início do estudo sobre a loucura e seus diferentes graus que começa o descalabro.
«- Nada tenho que ver com a ciência; mas se tantos homens em quem supomos juízo são reclusos por dementes, quem nos afirma que o alienado não é o alienista?»
Não posso contar mais, porque não vos posso tirar a curiosidade e vontade de também conhecer este alienista. Refiro somente, que nesta obra notável está presente uma forte crítica à obsessão desmedida pela experimentação e a imperecível justificação de que tudo é em prol de um futuro científico benéfico.
O Último Dia de um Condenado, de Victor Hugo. Mais um autor que conheci com Noventa e Três e Poemas, que ainda pretendo ler Os Miseráveis e Nossa Senhora de Paris, mas por agora debruço-me sobre os tormentos de um condenado.
Nesta obra, Victor Hugo revela toda a sua aversão à pena de morte. Através dos pensamentos tormentosos e alucinantes deste condenado, à qual não nos é dado a conhecer o nome, mas onde ficamos a saber que tem uma família: a filha Maria, a mulher e a mãe, o autor dá a sua voz de protesto.
A partir do momento que é proferida a sentença e até ao momento da execução, o condenado vive em contagem decrescente, os seus últimos momentos são passados em grande sofrimento interior e é neste monólogo cru e despido de embelezamento que também viajamos pelas condições precárias da vida passada na prisão.
Mas apesar das circunstâncias, do medo e do estado miserável em que o condenado se encontra, este até tenta atenuar nalguns ápices de aquietação a sua condição:
«Condenado à morte!
Pois bem, porque não? Os homens - Lembro-me de ter lido isto não sei em que livro, em que só isto havia de bom - os homens são todos condenados à morte com prazos indefinidos. Então o que há de extraordinário na minha situação.»
Perante o desespero e a brutalidade da realidade, o condenado ainda consegue pensar, raciocinar e esperar talvez por um milagre. Mas se a sentença se realizar também sempre dará ao povo a possibilidade de uma festa, pois não há nada melhor do que o prazer de ver alguém a ser executado em praça pública!
Uma dura e desumana introspecção de seis semanas, com hora marcada para a execução: «Quatro Horas».
O Conto da Ilha Desaparecida, de José Saramago. Que poderei eu dizer sobre um escritor que faz parte do meu lado esquerdo do sentir? Nada. Apenas ler e sentir. Ainda tenho muitas obras por ler, que não as vou enumerar. Termino antes com um breve comentário a este pequeno conto de 39 páginas.
Tudo começa com um homem a bater à porta do rei e a dizer: «Dá-me um barco». Mas até este «Dá-me um barco» chegar ao rei, por muitas pessoas teria de passar. E não é por a casa do rei ter muitas portas! Para entendermos melhor, referimos que esta onde o homem bateu era a das petições. Já o rei passava os dias na porta dos obséquios («os obséquios que lhe faziam a ele») e como «fingia-se desentendido» sempre que a das petições o chamava, outro alguém tinha que ir à porta. Assim o rei tinha que dar ordem a esse alguém para a ir abrir. E julgam que era coisa fácil? Já agora menciono que ainda havia uma outra, a das decisões, «que é raro ser usada, mas quando o é, é.»
Depois de todos estes procedimentos e burocracias, que acabam por não dar em nada, pois o homem exige falar com o rei, ficamos finalmente a saber o porquê de o homem querer um barco.
«Quem foi que te disse, rei, que já não há ilhas desconhecidas, Estão todas nos mapas, Nos mapas só estão as ilhas conhecidas, E que ilha desconhecida é essa de que queres ir à procura, Se eu to pudesse dizer, então não seria desconhecida. A quem ouviste tu falar dela, perguntou o rei, agora mais sério, A ninguém, Nesse caso, por que teimas em dizer que ela existe, Simplesmente porque é impossível que não exista uma ilha desconhecida.»
E mesmo sem marinheiros, e sem perceber de barcos, o rei concede-lhe um barco, para que ele possa partir à procura da ilha desconhecida. E quando o homem parte em direcção à doca para entregar o cartão do rei ao capitão do porto, mal sabia que a mulher que lhe abriu a porta das petições tinha saído pela porta das decisões e seria a sua «futura encarregada das baldeações e outros asseios», porque o destino é mesmo assim «já estendeu a mão para tocar-nos o ombro, e nós ainda vamos a murmurar, Acabou-se, não há mais nada que ver, é tudo igual.»
Um homem. Uma mulher. Um barco. «Pela hora do meio-dia, com a maré, A Ilha Desconhecida fez-se enfim ao mar, à procura de si mesma.»
Parece simples esta viagem metafórica sobre o mundo, mas nela o autor abarca as burocracias, os sonhos, as ambições, as aventuras, as expectativas, as frustrações e tudo aquilo que continua a fazer-nos viajar em busca de algo mais.