terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Escuta, amor


Ilustração: phermad

"Quando damos as mãos, somos um barco feito de oceano, a agitar-se sobre as ondas, mas ancorado ao oceano pelo próprio oceano. Pode estar toda a espécie de tempo, o céu pode estar limpo, verão e vozes de crianças, o céu pode segurar nuvens e chumbo, nevoeiro ou madrugada, pode ser de noite, mas, sempre que damos as mãos, transformamo-nos na mesma matéria do mundo.

Tu és tudo aquilo que sei. Mesmo quando não estavas lá, mesmo quando eu não estava lá, aprendíamos o suficiente para o instante em que nos encontrámos. 

Aquilo que existe dentro de mim e dentro de ti, existe também à nossa volta quando estamos juntos. E agora estamos sempre juntos. O meu rosto e o teu rosto, fotografados imperfeitamente, são moldados pelas noites metafóricas e pelas manhãs metafóricas. Talvez outras pessoas chamem entendimento a essa certeza, mas eu e tu não sabemos se existem outras pessoas no mundo. Eu e tu declarámos o fim de todas as fronteiras e inseparámo-nos. Agora, somos uma única rocha, uma única montanha, somos uma gota que cai eternamente do céu, somos um fruto, somos uma casa, um mundo completo. 

Questiono os gestos mais simples, escrever este texto, tentar dizer aquilo que foge às palavras e que, no entanto, precisa delas para existir com a forma de palavras. Mas eu questiono, pergunto-me, será que são necessárias as palavras? Eu sei que entendes o que não sei dizer. Repito: eu sei que entendes o que não sei dizer. Essa certeza é feita de vento. Eu e tu somos esse vento. Não apenas um pedaço do vento dentro do vento, somos o vento todo. 

Escuta, 
ouve. 
Amor. 
Amor." 
In Abraço, de José Luís Peixoto

domingo, 20 de novembro de 2016

«Era esta a minha missão"»

Um ano passou desde a última opinião literária que aqui publiquei... Não tenho dedicado muito tempo aos livros, é verdade! Mas finalmente terminei um livro que há mais de um ano esperava, pacientemente, na mesa de cabeceira a sua hora final. E quando digo "finalmente" não pensem que foi uma tortura lê-lo. Nada disso. Afirmo com toda a convicção que foi um dos livros mais arrebatadores que li nos últimos tempos. Tinha de ser lido assim, bem devagarinho. 

Falo-vos de uma autobiografia que descreve-nos, pacientemente,  a história de uma vida. A história real de uma pessoa genuinamente extraordinária e que todos nós devíamos ter como inspiração diária, pois nos dias de hoje falta-nos heróis assim. 

A história de um homem que teve uma vida de luta e de derrota, mas que teve na derrota a força da resiliência e da esperança para saber aguardar pelo dia da mudança e do triunfo. 

É nas suas palavras francas e até ingénuas, que vamos assistindo às mudanças de um homem que nasceu livre, mas que cedo percebeu que essa liberdade era uma ilusão e por isso teve de lutar pela sua liberdade. E não só lutou por ela, como também pela liberdade do seu povo.

«Foi durante esses anos longos e solitários que a minha ânsia de liberdade para o meu povo se dilatou numa ânsia de liberdade para todos, brancos e negros. Estava ciente de que o opressor precisava tanto de ser liberto como o oprimido. Um homem que rouba a liberdade a outro homem é um prisioneiro do ódio, está trancado atrás das grades do preconceito e da estreiteza mental. Ninguém é totalmente livre quando rouba a liberdade de outrem, do mesmo modo que não é livre aquele a quem tiram a liberdade. O opressor e o oprimido são igualmente despojados da sua humanidade.»

Um longo caminho para a liberdade, de Nelson Mandela, é um relato sereno, profundo e cativante de «um homem que ao procurar cumprir o seu dever para como o povo foi inevitavelmente arrancado à família, pois ao tentar servir o seu povo apercebeu-se de que ficava impedido de cumprir as suas obrigações de filho, irmão, de pai e de marido.»

segunda-feira, 11 de julho de 2016

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Trilho Lago Argentino


Percurso: Pedestre 
Localização: El Calafate, Santa Cruz, Argentina
Distância aproximada: 2-3 km 
Duração aproximada: 1 hora 
Grau de dificuldade: Baixo 

A cidade de El Calafate localiza-se na província de Santa Cruz, no sul da Argentina. Fica 3h20 de avião de Buenos Aires e é uma das portas de entrada para os amantes de trekking. Daqui parte-se para o Parque Nacional Los Glaciares.

Esta pequena cidade permite desfrutar de passeios relaxantes antes de se iniciar os longos percursos pelos trilhos da Patagónia. E como na Patagónia nunca se sabe como será o tempo, o melhor mesmo é nunca sair sem se estar prevenido para tudo.

Ora, no dia da nossa caminhada o vento era tão forte, mas tão forte, que parecia que finalmente iríamos experimentar a sensação de voar a sério. Aliás, este foi o maior grau de dificuldade do percurso, pois conseguir caminhar nestas condições ventosas é algo quase impossível. De resto, é um percurso num passadiço plano e tranquilo, onde por vezes podemos ver o dia a dia dos gaúchos com os seus cavalos e onde podemos escapar dos turistas, pois estes preferem a movimentada avenida principal.

Junto ao lago Argentino, é possível avistar flamingos, teros bandurrias. A vegetação é quase toda ela rasteira e compreende-se bem o porquê! No percurso não encontrei o Calafate, um arbusto típico da região, que deu o nome à cidade. Este dá um fruto que nos deixa a língua toda roxa e conta a lenda que quem o provar volta numa outra vida. Encontrei-o dias depois em El Chaltén e claro que provei o fruto.

Já no final, há que voltar para o centro da cidade e deliciarmo-nos com os maravilhosos chocolates artesanais. Não dá para resistir, garanto-vos!

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Dia Mundial da Terra

Leão Marinho Sulamarericano
Canal Beagle em Ushuaia, Argentina

«An understanding of the natural world and what’s in it is a source of not only a great curiosity but great fulfillment.»
David Attenborough

quarta-feira, 13 de abril de 2016

4| Lugares que inspiram a leitura

People’s Park em Limerick, Irlanda

«Para mim, é melhor o homem que diz sem rodeios que não percebe do assunto do que o hipócrita, que fala como se soubesse daquilo que não sabe e só borra e estraga tudo.»
O Retrato, Nikolai Gógol

segunda-feira, 21 de março de 2016

Como nuvens pelo céu passam os sonhos...

Sagres, Portugal 

"Como nuvens pelo céu
Passam os sonhos por mim.
Nenhum dos sonhos é meu
Embora eu os sonhe assim. 
São coisas no alto que são
Enquanto a vista as conhece,
Depois são sombras que vão
Pelo campo que arrefece. 

Símbolos? Sonhos? Quem torna
Meu coração ao que foi?
Que dor de mim me transtorna?
Que coisa inútil me dói?"

in Poesias inéditas, Fernando Pessoa 

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

17| livrarias e bibliotecas no mundo

Boutique del libro, Ushuaia, Argentina

Ushuaia. Fim do Mundo. 

Andava eu a deambular pelas ruas da cidade, após um longo dia de trekking pelo Parque Nacional Tierra del Fuego, quando surge na frente dos meus olhos uma magnífica livraria situada na Av. San Martín 1120, em Ushuaia.

A Boutique del Libro é uma livraria de dois pisos bastante acolhedora, que prima pela simpatia com que nos recebe. 

A amabilidade e o conhecimento literário de quem nela trabalha deixam-nos confortáveis para questionar e ficar horas a percorrer os muitos e muitos títulos que se encontram nas prateleiras. 

Entre eles, estão os muitos e muitos livros sobre a Terra do Fogo, que tanto me fascinaram, mas que, lamentavelmente, nenhum deles me acompanhou no regresso a casa. El ultimo confín de la tierra, de E. Lucas Bridges, foi o livro que deixei a aguardar por uma tradução na língua Pátria. Aconselharam-me a não levá-lo, por este poder ser de penosa leitura devido à minha não fluência da língua. Confesso que agradou-me a sinceridade. E aqui agradeço toda a simpatia e disponibilidade. 

Claro que não podia vir embora sem deixar de procurar por autores portugueses. Disseram-me que sim, que tinham Saramago. 

Num à parte e em jeito de curiosidade, posso já adiantar que foi o autor que mais encontrei. Tanto nas livrarias argentinas, como entre as mãos dos mochileiros que aguardam nas salas de espera dos aeroportos.

Boutique del libro é sem dúvida uma paragem obrigatória para todos os apaixonados e amantes de livros, que viajam até ao Fim do Mundo.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

«Para Além da Curva da Estrada»

Parque Nacional de Killarney, Irlanda

«Para além da curva da estrada 
Talvez haja um poço, e talvez um castelo, 
E talvez apenas a continuação da estrada. 
Não sei nem pergunto. 
Enquanto vou na estrada antes da curva 
Só olho para a estrada antes da curva, 
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva. 
De nada me serviria estar olhando para outro lado 
E para aquilo que não vejo. 
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos. 
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer. 
Se há alguém para além da curva da estrada, 
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada. 
Essa é que é a estrada para eles. 
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos. 
Por ora só sabemos que lá não estamos. 
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva 
Há a estrada sem curva nenhuma.» 
in Poemas Inconjuntos, Alberto Caeiro

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