sábado, 24 de abril de 2010

"moinhos de vento ou a nostalgia do ideal"

Serra do Louro
«- A boa sorte guia as nossas coisas melhor do que poderíamos desejar; porque vês além amigo Sancho Pança, onde se avistam trinta ou mais descomunais gigantes, com que tenciono travar batalha e tirar a vida a todos, com cujos despojos começaremos a enriquecer; pois esta é uma guerra justa e um grande serviço a Deus tirar tão má semente da facee da Terra.
- Que gigantes? - disse Sancho Pança.
- Aqueles que ali vês - respondeu o amo - de braços compridos, que alguns costumam ter braços de quase duas léguas.
- Olha vossa mercê - respondeu Sancho - que aqueles que além se vêem não são gigantes, mas moinhos de vento, e o que neles parecem braços são as velas que, andando à volta com o vento, fazem girar a pedra do moinho.
- Bem se vê - respondeu D. Quixote - que não tens experiência de aventuras: eles são gigantes; e, se tens medo, sai daí e põe-te a rezar enquanto vou atacá-los numa feroz e arriscada batalha.
E, dizendo isto, esporeou Rocinante, sem fazer caso dos brados que o seu escudeiro Sancho lançava, avisando-o que, sem nenhuma dúvida, eram moinhos de vento, e não gigantes aqueles que ele ia atacar. Mas D. Quixote ia tão certo de que eram gigantes que nem ouvia os brados do seu escudeiro Sancho, nem conseguia ver o que eram, embora estivesse já muito perto; antes ia dizendo em altos gritos:
- Não fujais, cobardes e vis criaturas, que é um único cavaleiro que vos ataca.»
O Engenhoso Fidalgo D. Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes

sexta-feira, 23 de abril de 2010

dia dos livros

Ilustração de Christian Voltz, França

«Há os livros que antes de lidos já estão lidos. Há os que se lêem todos e ficam logo lidos todos. E há os que nos regateiam a leitura e que pedimos humildemente que se deixem ler todos e não deixam e vão largando uma parte de si pelas gerações e jamais se deixam ler de uma vez para sempre.»
Escrever, de Vergílio Ferreira

domingo, 18 de abril de 2010

Trilho dos Moinhos

Percurso: Pedestre
Localização: Serra do Louro, Palmela.
Distância aproximada: 13 km
Duração aproximada: 3h - 4h
Grau de dificuldade: Médio, com algum declive

O Parque Natural da Arrábida é uma verdadeira relíquia."Desenvolve-se a oeste da cidade de Setúbal, constituindo um rectângulo paralelo ao mar cujos vértices são as proximidades de Setúbal, Palmela (serra do Louro), Santana e os arredores de Sesimbra (serra do Risco)."

Ao longo do percurso da Serra do Louro é possível observar variadas riquezas de flora mediterrânea, como tomilho, rosmaninho, alecrim, alfazema e entre outros. É também possível encontrar uma diversidade de orquídeas e cardos.
Em termos de fauna, o Parque Natural da Arrábida é rico ao nível da avifauna, sendo possível observar algumas espécies raras, especialmente aves de rapina, como o bufo-real, o falcão peregrino ou a águia de Bonelli. Na área onde se desenvolve o percurso é frequente avistar-se a águia-de-asa-redonda, o peneireiro-vulgar, a poupa, o abelharuco e entre outros.

Os principais pontos de interesse são os moinhos da Serra do Louro, a estação arqueológica de Chibanes (povoado habitado entre os Séc. III e I a. c.), a aldeia da Quinta do Anjo (sepulturas do Neolítico) e as queijarias onde se fabrica o Queijo de Azeitão.
O passeio pode ser prolongado por mais uns quilómetros, de modo a saborear as famosas tortas de Azeitão.

sábado, 17 de abril de 2010

"ressoam suas armas"

«Quando Palas viu isto lançou mão
duma única saída que haveria,
falou aos companheiros e procurou,
com os pedidos, com censura amarga,
lhes dar nova coragem de bater-se:
Para onde ides fugindo, camaradas?
Sede dignos de vossos grandes feitos
e do nome de Evandro, nosso chefe,
por guerras que vencemos tanta vez,
por esperança minha de igualar
a fama de meu pai, por isto tudo,
não confieis nas pernas, combatei.
É ferro que nos tem de abrir o passo,
aonde eles são mais temos nós de ir,
é ali que por nós a pátria chama,
e vos dou ordens eu, o vosso chefe.
Não são os imortais que nos derrotam,
são mortais como nós os que nos batem
e mortais como nós os inimigos.
Temos vida e dois braços, iguais somos.»
«Eneida», in Obras de Virgílio

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Haverá ainda natureza nas cidades?

Marcovaldo, de Italo Calvino
Italo Calvino já me habituou ao seu estilo de escrever estórias deliciosas. Marcovaldo é mais um livro muito bem escrito dos tantos que já li do autor e que me deixam sempre a querer mais!

Marcovaldo é o personagem desta história. Um homem que procura a natureza no meio da cidade em que vive.

«Este Marcovaldo tinha um olho pouquíssimo afeito à vida da cidade: anúncios, semáforos, montras, letreiros luminosos, cartazes, por mais estudados que fossem para chamar a atenção, nunca detinham o seu olhar que parecia correr pelas areias do deserto. Em contrapartida, folha a amarelecer num ramo ou pena pousada numa telha nunca lhe escapavam: não havia moscardo no dorso de um cavalo, buraco de caruncho numa tábua nem casca de figo esborrachada no passeio em que Marcovaldo não reparasse e não fizesse deles objecto de profundos pensamentos, descobrindo a mutação das estações do ano, os desejos da sua alma e a miséria da sua existência.»

Ao longo de vinte capítulos, Calvino vai percorrendo as quatro estações na cidade e descrevendo as peripécias vividas por Marcovaldo. Este personagem não é pessoa de muita sorte, pois ora apanha peixes no rio, mas vê-se forçado a deitá-los fora, porque o rio está contaminado, ora caça um coelho, mas este pertence a um laboratório e por isso é portador de uma doença contagiosa. E assim de desventura em desventura, Marcovaldo sai sempre perdendo nos seus malabarismos em busca de uma natureza perdida.

Um verdadeiro retrato das peripécias também por nós vividas nesta selva de betão que nos engole. Uma autêntica vida cada vez mais artificial, economicista e consumista. Uma obra digamos hilariante, a tocar a comicidade poética.

terça-feira, 6 de abril de 2010

"Sargo, o menino que tem nome de peixe"

«Mas a conversa é interrompida por um barco que interrompe também o mar, um barco que se chama Lúcia Maria e que não é o maior, mas é o mais bonito porque é o barco do tio Nelo, que vem lá dentro com o meu pai, todos com botas até cima, jardineiras, camisolas de lã e peixe até às orelhas. Há muita algazarra, cordas, acenos e coisas a voar que não parecem de voar. A mãe pousa-me, corre para lá, o Lito vai atrás e é bonito como brinquedos em montras... ver todos os que eu gosto juntos numa coisa que parece uma festa... só que não é bem.»
O Mar Que a Gente Faz, de João Negreiros

sábado, 3 de abril de 2010

"alimento para a alma, não para o corpo"

Basílica de S. Pedro, Roma«O grande tesouro tinha sido tirado do lugar pelos sarracenos; o altar-mor foi revestido com placas em prata e ouro e decorado com um crucifixo em ouro maciço, coberto de pérolas, esmeraldas e diamantes; por cima dele, foi suspenso um cibório em prata pesando mais de mil libras, colocado sobre quatro colunas do mais puro mármore travertino, ornamentado com grinaldas de lilases. O altar era alumiado por lâmpadas suspensas por correntes em prata, ornadas com esferas em ouro. A sua luz tremeluzente iluminava um verdadeiro tesouro de cálices com jóias encrustadas, estantes em prata, ricas tapeçarias e cortinas em seda. A grande basílica brilhava com um esplendor que excedia a sua antiga magnificência.

Joana ficou preocupada ao ver as grandes quantias de dinheiro retiradas do tesouro papal. Leão tinha recriado um santuário de uma beleza inspirada, mas a maioria daqueles que viviam à sombra desta magnificência esplendorosa passavam os seus dias numa pobreza embrutecedora e degradante. Uma só das salvas em prata maciça de S. Pedro, fundida e transformada em dinheiro, podia alimentar e vestir a população do Campo de Marte durante um ano. Será que o culto a Deus exigia mesmo tal sacrifício?»
A Papisa Joana, de Donna Woolfolk Cross

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