quinta-feira, 29 de março de 2012

“Se eu fosse um livro…”

Se eu fosse um livro de José Jorge Letria é um livro infantil que me foi lido na exposição bienal Ilustrarte’12. Este encontra-se exposto na mesa de cabeceira do ilustrador da obra, André Letria (filho do autor). 

O livro não conta propriamente uma história. Parece querer revelar os desejos ou as vontades de cada um de nós, caso fossemos um livro. 
«Se eu fosse um livro…» é o mote para o início de cada frase. 

«Se eu fosse um livro, pediria a quem me encontrasse na rua para me levar para casa consigo.» Assim começa o livro. A frase é ilustrada com um livro esquecido num banco de jardim e um jovem a olhar nessa direção. Por breves momentos, a dúvida fica a pairar nas nossas cabeças. Será que o livro é levado para casa? Como gostamos de finais felizes para os livros, imediatamente respondemos que sim! 

«Se eu fosse um livro, pedia às pessoas para não me usarem como ornamento de prateleiras» ou «Se eu fosse um livro, seria um imenso poema que oferecesse às palavras sentidos inesperados.» são mais duas das frases que gostei, muito embora todas elas sejam apetecíveis.









(aumentar as imagens para desvendar as frases)

Com ilustrações simples e bonitas,
Se eu fosse um livro é um livro que fala de uma relação muito especial: o amor aos livros. 
E tu, o que serias se fosses um livro? 

terça-feira, 27 de março de 2012

“Uma criatura tão miseravelmente só”

The Storyteller, Ana Bagayan, Arménia

«- Sabes como eu me sinto, Anna? Como um grande vazio, um vazio cheio de uma grande ausência, uma ausência que é um desejo de ser preenchido, de ser satisfeito. Contudo, ao mesmo tempo, sei que nada me preencherá, porque a primeira condição da vida é desejar eternamente, caso contrário a vida pára. A insatisfação é um princípio da vida. A satisfação não satisfaz. Só as pedras não desejam nada. E, quem sabe, talvez as pedras tenham também buracos que nunca descobrimos.» 
No Coração Desta Terra, J. M. Coetzee

domingo, 25 de março de 2012

«É de Noite que Faço as Perguntas»

Rerum Novarum, Daniel Silvestre da Silva, Portugal
(aumentar a imagem para ler o texto)

David Soares é o autor das histórias de 
É de Noite que Faço as Perguntas. Já as ilustrações deste livro de BD ficaram a cargo de Jorge Coelho, João Maio Pinto, André Coelho, Daniel da Silva (ilustrador do primeiro livro infantil de José Luís Peixoto, A mãe que chovia, que estará nas livrarias no dia 13 de abril) e Richard Câmara.

Fiquei impressionada e rendida ao estilo narrativo do autor ao ler Os Ossos do Arco-Íris e mais tarde O Evangelho do Enforcado. Foi no XXI Amadora BD 2010 - Festival Internacional de Banda Desenhada, em que uma parte era dedicado ao Centenário da República Portuguesa, que tive conhecimento deste livro, que só seria editado em 2011. E por muito que o tivesse procurado, não o vi exposto em nenhuma livraria ou feira. Vim a encontrá-lo, este ano, naquela feira do livro que está sempre à entrada do centro comercial Vasco da Gama, em Lisboa. Um precioso achado que veio de imediato comigo para casa. 

David Soares foi convidado pela Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República (CNCCR) e pelo Amadora BD, a escrever um álbum de banda desenhada sobre a Primeira República Portuguesa. Depois o autor só teve de escolher os cinco ilustradores para as suas cinco histórias: Richard Câmara, Prólogo e Epílogo de É de Noite que Faço as Perguntas, Jorge Coelho em É só alguém que foi à caça, João Maio Pinto com Oh! A República!, André Coelho na Via polémica e Daniel da Silva com Rerum Novarum. Estas para além de muito bem contadas, estão sem dúvida alguma maravilhosamente bem ilustradas. 

«Tal como na vida real, a primeira república portuguesa existiu e é ela que serve de farol ao narrador, imerso num indefinido regime totalitário que serve de coagulante ao pensamento.» Assim, quem nos narra os acontecimentos é um pai. Um pai, que decide escrever uma carta (que nunca será entregue) para contar e partilhar as suas memórias ao seu filho, que tenta recuperar, pois este caiu no seio do partido. Através das suas palavras vamos percorrendo diferentes factos históricos, de «um tempo em que se acreditava no valor da participação do indivíduo na construção da sociedade.» O período antecedente à República, desde o ultimato britânico de 1890 até ao assassinato do rei D. Carlos, a implementação da Primeira República Portuguesa, a Primeira Guerra Mundial e o golpe de estado de 1926 que pôs termo à República são aqui narrados inteligentemente e ilustrados em estilos criativos muito próprios. Rerum Novarum, aquele de que gostei mais, denota bem a realidade nebulosa do Estado Novo. 

É de Noite que Faço as Perguntas é um álbum revolucionário, segundo palavras do autor, que refere ainda que «escrever e desenhar sob convite institucional não tem de ser um obstáculo para o valor artístico de um projeto». Acrescento ainda, que é um álbum de leitura obrigatória!

sábado, 24 de março de 2012

«Oktapodi»


Oktapodi, Julien Bocabeille, François-Xavier Chanioux, Olivier Delabarre, Thierry Marchand, Quentin Marmier e Emud Mokhberi, 2007

sexta-feira, 23 de março de 2012

"Fernando Pessoa, plural como o Universo"

«Sentir tudo de todas as maneiras, 
Ter todas as opiniões, 
Ser sincero contradizendo-se a cada minuto, 
Desagradar a si próprio pela plena liberalidade de espírito, 
E amar as cousas como Deus.»
Passagem das Horas, Álvaro de Campos

A Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa tem patente até ao dia 29 de abril a exposição Fernando Pessoa, plural como o Universo. Com um custo de 4€ de entrada, esta pode ser visitada entre as 10h e as 18h, de terça a domingo.

Estudei exaustivamente Fernando Pessoa no secundário. Não havia outro poeta que me entusiasmasse tanto. Fascinava aliás qualquer um de nós pela sua pluralidade e criação! Tantos foram os poemas lidos e esmiuçados até mais não, que na hora do toque para a saída, ficava sempre a vontade de continuar a falar sobre este poeta que tanto tinha para nos dizer. 

Não conheço toda a sua obra e mentiria se dissesse que sim. No entanto, sei que, muito embora goste de Fernando Pessoa, sempre o deixo pelo seu heterónimo Álvaro de Campos. Aquele que considero como sendo o génio, o futurista e o modernista. O senhor engenheiro naval de educação inglesa, que sempre se sentia estrangeiro em qualquer parte onde estivesse. O poeta das Odes e de Tabacaria, que sempre me maravilhou. Sem qualquer dúvida o meu preferido na versatilidade das palavras que nos confidencia. 

Por estas razões e mais algumas não podia deixar de visitar esta exposição, que pretende dar a conhecer a multiplicidade da obra de Fernando Pessoa. Na primeira sala, encontramos caixas abertas onde podemos ler as breves descrições biográficas de Fernando Pessoa e seus heterónimos, juntamente com pequenos trechos poéticos de cada um deles. Na divisão seguinte, encontramos algumas pinturas e referência a outros autores da época. Depois podemos ver o percurso da vida do poeta num mapa cronológico e logo a seguir entramos num espaço onde a poesia pode ser lida às escuras. Daqui passamos a uma outra sala que contém alguns dos escritos originais do poeta, bem como uma mesa cheia de livros do autor e dos heterónimos, em português e em versões traduzidas, bem como outros livros sobre o poeta, que podem ser mexidos, lidos e relidos. Como não poderia deixar de ser, aproveitei para reler Tabacaria.

Se tiverem oportunidade de ir a partir das 14h30 dos dias 25 e 31 de março e 22 de abril poderão ainda 
assistir, gratuitamente, a uma sessão de leituras encenadas. Eu estive na primeira sessão, dia 17, em que o tema foi A Cidade e contou com a participação dos atores Ivo Alexandre e João Reis. No dia 25,  o tema será Todos os casados do mundo são mal casados e terá a presença da escritora Inês Pedrosa. Os atores Albano Jerónimo e Carlos Pimenta estarão no dia 31, com A viagem Cósmica de Pessoa. Já o último dia contará com a participação do escritor Gonçalo M. Tavares e do ator Vítor Roriz, que terão como tema Pessoa "em pessoa".

Para quem não sabe e a título de curiosidade, esta exposição esteve inicialmente no Brasil, nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, e recebeu cerca de 400 mil visitantes. E os curadores são 
um norte-americano, Richard Zenith e um brasileiro, Carlos Filipe Moisés. 

A exposição é interativa, cativante e está bastante interessante, pois permite que o visitante entre com os cinco sentidos despertos no universo de Fernando Pessoa. Está também muito bem concebida. Senti que consegue chegar aos diferentes públicos que a visitam e, surpreendê-los.
Uma viagem a não perder! 




quarta-feira, 21 de março de 2012

"Sobre um Poema"

 Árvore de leitura, André Neves, Brasil

«Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.»
Herberto Helder
(Dia Mundial da Poesia)

quinta-feira, 15 de março de 2012

A lenda de Melides

Castelo dos Mouros, Sintra

Nesta lenda de Melides tudo começa durante o cerco montado à cidade de Lisboa, no tempo em que reinava o nosso primeiro rei, D. Afonso Henriques. Ao que parece, O Conquistador com receio de ser atacado de surpresa, terá enviado uns vinte cavaleiros até Sintra com a intenção de espiar os seus inimigos. Os mouros, ora claro está!

Os vinte cavaleiros, comandados por D. Gil, puseram-se a caminho, dando cumprimento à sua missão. Só que, como até iam um tanto ao quanto amedrontados, decidiram subir a serra pela costa até Colares. Chegados aí, tinham de conseguir passar despercebidos para não serem chacinados por um temível chefe mouro de Colares. Este ao que parece tinha uma certa fama de matador de cristãos! Albernoz, assim se chamava.

No caminho entre Colares e o Penedo, os vinte cavaleiros foram então surpreendidos não por Albernoz, mas por Nossa Senhora, que lhes terá dito: «Ide, que mil ides». Os vinte cavaleiros ao ouvirem estas confiantes palavras encheram o peito de coragem e ao fim de cindo dias de viagem atacaram o inimigo sem dó, nem piedade. Nesta batalha cruel, os sarracenos foram derrotados e os nossos bravos cavaleiros conquistaram o Castelo dos Mouros. E em lembrança à Nossa Senhora, que tanto lhes ajudou na campanha, foi erguida a Capela de Nossa Senhora de Melides.

segunda-feira, 12 de março de 2012

“O tédio do fingimento”

F. Scott Fitzgerald ficou na minha lista de autores a ler mais, depois de o ter descoberto em O Grande Gatsby. Assim, li emprestado O Estranho Caso de Benjamin Button, que não gostei tanto como do filme. Comprei na coleção do Público, Terna é a Noite, que ainda aguarda uma oportunidade para ser lido. E recebi de presente Belos e Malditos, cuja sinopse suscitava uma leitura promissora. Posso já dizer que não desiludiu! Belos e Malditos está muito perto da genialidade de O Grande Gatsby

Em Belos e Malditos entramos na vida de Anthony Patch e Gloria Gilbert. Ambos têm personalidades bem vincadas. Anthony é um jovem despreocupado e boémio, que não trabalha, nem pretende trabalhar algum dia, mesmo quando se assume como um promissor escritor. Considera o seu modo de vida justo, por isso aguarda pela morte do seu avô doente (um conservador e moralista, que luta contra os vícios, principalmente da bebida) para herdar toda a fortuna. Gloria é uma mulher vibrante, extravagante e principalmente bela. Consciente desta beleza, é extremamente sincera na sua forma de estar na vida: «Quero ser preguiçosa e quero ter pessoas à minha volta a fazer coisas, porque me fazem sentir confortável e segura… e quero ter pessoas por perto que não façam nada, porque são graciosas e boa companhia.» 

O destino acaba por os juntar e o jovem casal, apesar das magras rendas dos seus investimentos, não prescinde de levar uma vida sofisticada. Alugam apartamentos que mal podem pagar, comem em hotéis e restaurantes de luxo, viajam nos melhores carros da época, dançam ao som do fox-trott e do jazz e bebem em festas até cair para o lado. Só que os dias felizes dos primeiros tempos não duram sempre, assim como o dinheiro. A vida louca e superficial dá lugar a discussões e a fragilidades que conduzem à ruína e à decadência. 

«Depois do reflorescer da ternura e da paixão, tinham ambos voltado para um sonho solitário que o outro não partilhava, e as expressões de ternura que trocavam pareciam passar de um coração vazio para outro igual, ecoando em som cavo a partida daquilo que, por fim, compreendiam ter desaparecido.» 

O fulgor da juventude é efémero, a fortuna não há meio de vir parar aos seus bolsos e os amigos deixam de aparecer. Fitzgerald retrata com mestria, os loucos anos 20; tendo como cenário a cidade de Nova Iorque no antes, no durante e no pós I Grande Guerra e o surgimento das restrições da Lei Seca, que são claramente desrespeitadas pelo jovem Patch.

sexta-feira, 9 de março de 2012

«O cerco a Leninegrado»


O Cerco a Leninegrado
estreou o ano passado, no dia 28 de novembro, assinalando assim os 70 anos de carreira da atriz Eunice Muñoz. 

Amanhã, dia 10 de março, é a vez do Cine-Teatro Louletano receber O Cerco a Leninegrado de José Sanchis Sinisterra. Este texto de 1994 é encenado por Celso Cleto e interpretado por duas maravilhosas atrizes, Eunice Muñoz e Maria José Paschoal.


«Teresa, actriz e viúva de um antigo encenador, vive com Natália, outra actriz, nas ruínas de um velho teatro na cidade em vias de ser demolido.

Um texto vertiginoso e uma comédia política, onde o teatro serve de matéria de reflexão à história política dos últimos cinquenta anos.
Os sonhos e as utopias de um mundo melhor estão presentes nesta relação humana de duas mulheres que nunca se renderão.»

Ainda consegui um bilhete, por isso parece-me que a noite de sábado promete!

quarta-feira, 7 de março de 2012

"as artes são muito velhas"

La coleccionista de palabras, Sonja Wimmer, Alemanha

«A poesia será a primeira a morrer. Será absorvida pela prosa, mais cedo ou mais tarde. A palavra bela, por exemplo, a palavra colorida e brilhante e a imagem bela pertencem agora à prosa. Para chamar a atenção, a poesia tem de se esforçar e usar palavras invulgares, palavras fortes e rudes que nunca foram belas. A beleza, como soma de várias partes belas, atingiu a apoteose com Swinburne. Não irá mais além... exceto, talvez, nos romances.
Belos e Malditos, F. Scott Fitzgerald

terça-feira, 6 de março de 2012

3| livrarias e bibliotecas no mundo

Ler Devagar em Lisboa, Portugal

Ler Devagar. Assim nos diz o nome desta belíssima livraria. Situada na Lx. Factory, a Ler Devagar é um espaço, onde o sonho é realmente real. Lá no cimo, a Bicicleta Voadora transporta-nos para o mundo imaginário, quem sabe de tantas histórias já lidas e de outras ainda por descobrir. A beleza daquela imagem faz-nos rodopiar a cabeça sempre que nos deslocamos na livraria. É o querer deslumbrarmo-nos sempre em todos os ângulos. Seja em que ponto estivermos, a Bicicleta Voadora não nos larga o olhar. E é tão bonita! 

As prateleiras intermináveis e apinhadas de livros quase até ao teto, convidam-nos a mirar as lombadas com tantos títulos apaixonantes e a chamarem a nossa atenção para serem levados para casa. Os dedos vão saltando entre um título e outro e selecionando os lidos, os não lidos e os que podem ir, desta vez, na sua companhia. Um cepo largo de madeira, pintado na lombada de amarelo, separa os livros pelas diversas áreas: literatura lusófona, literatura inglesa, literatura francesa, história, sociologia, design, fotografia, entre tantas outras. 


Passo a passo, vamos subindo para o piso de cima onde já nos espera o Sonhador, que sentado no seu monociclo deseja alcançar a Lua. Quem nos conta a estória do Sonhador é o Sr. Pietro, o inventor. Com a sua doce simpatia, o Sr. Pietro encaminha-nos para outras maravilhosas invenções que estão em exposição permanente. Mostra-nos, com um brilho de orgulho estampado no olhar, o funcionamento e a história de cada uma delas. Aqui a imaginação vai até onde os sonhos permitem chegar!

sábado, 3 de março de 2012

Trilho de Piódão

Percurso: Pedestre 
Localização: Piódão, Arganil
Distância aproximada: 1 km 
Duração aproximada: 1 hora
Grau de dificuldade: Médio 

Piódão era o destino. Uma coisa que não mais esquecerei é a viagem até a esta aldeia! Foram  curvas e contracurvas intermináveis! A hora de almoço a passar e a fome apertar, com uma extensão de asfalto a não querer chegar ao fim! Até que contornamos mais uma montanha e no meio do vale nos apareceu, finalmente, Piódão. Surgiu assim, um largo sorriso no rosto, misturado com uma enorme sensação de alívio. Tinha valido a pena viajar só para contemplar aquela paisagem. Antes de descermos à aldeia paramos ainda no cimo da montanha para apreciar o cenário idílico e tirarmos umas fotografias panorâmicas. 

O percurso inicia-se no Largo Cónego Manuel Nogueira, onde se encontra a igreja da aldeia, Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Esta estava em obras de remodelação e faz contraste com as casas de xisto em volta.  Como a fome era mais que muita, fomos primeiro encher a barriga e só depois iniciamos a nossa caminhada pelas ruas, também elas, feitas de xisto. 

O passeio pela aldeia faz-se num instante, mas como o lugar é lindíssimo merece passadas mais vagarosas. Assim, ao voltarmos ao largo, começamos o nosso percurso pelo lado esquerdo, como indicava  a placa dos percursos pedestres. As ruas são estreitas, irregulares e sinuosas, pois ainda mantêm o traçado medieval. Fomos em direção à Fonte dos Algares e depois fomos sempre a subir até à Capela de São Pedro. Sobe-se depois pelas Escadas da Eira e ao chegar aqui, inicia-se o processo de descida. É sempre a descer até avistar-se a Torre Sineira da Igreja Matriz e continuar a descida nessa direção até chegar novamente ao largo do ponto inicial.  

No final do passeio, foi ganhar coragem para voltar a fazer a viagem de regresso, tendo como companhia a Serra.

Próxima paragem: Idanha-a-Velha





quinta-feira, 1 de março de 2012

"Beloved, ela é minha filha"

«... qualquer branco nos podia levar por completo e por qualquer motivo que lhe passasse pela cabeça. Não apenas para nos pôr a trabalhar, matar, ou mutilar, mas também conspurcar. Conspurcar tanto que já não nos podemos amar. Conspurcar de tal modo que nos esquecíamos quem éramos e já não nos conseguíamos encontrar. E embora […] outros o tivessem vivido e ultrapassado, ela nunca poderia deixar que isso acontecesse aos seus filhos. O melhor de si eram os filhos. Os brancos podiam sujá-la, mas não ao que tinha de melhor, a melhor coisa bela e mágica - a parte dela que estava limpa.» 

Depois de A Dádiva - um livro com sabor a delicada poesia e comovente em cada palavra - Beloved foi o livro escolhido para voltar a Toni Morrison. E poderia utilizar as mesmas palavras para descrever este Beloved, que nos confronta com uma dualidade de sentimentos. Vencedor do Prémio Pulitzer em 1988, a obra decorre no Ohio, no pós-Guerra da Secessão. Sethe é uma mulher que tem uma árvore nas costas e que vive atormentada pelo fantasma da primeira filha, Beloved. Denver é a filha mais nova e não tem medo da aparição. Ambas são as únicas residentes do 124; uma vez que Howard e Buglar decidiram fugir para a guerra aos treze anos, após a morte trágica da irmã e da morte da avó Baby Suggs, a única que tinha conhecido a liberdade. Uma liberdade comprada pelo seu filho Halle, marido de Sethe. Só que o 124 recebe uma visita e com a chegada de Paul D, os cenários assumem outros contornos. Este carrega consigo memórias dolorosas, que por sua vez acordam outras memórias cruéis em Sethe. Memórias que conduzem o leitor para o passado comum e para o passado de cada um deles. 

Sethe e Paul D viveram em Sweet Home e nunca sentiram necessidade de fugir até ao dia em que Sweet Home começa a ser administrada por um mestre-escola. No dia da fuga, os seus caminhos tomam destinos diferentes e no dia da chegada de Paul D ao 124 da Bluestone Road, o legado da escravatura de ambos é revelado. As cicatrizes abrem-se. O fantasma de Beloved, que até aqui apenas deambulava pela casa, é expulso por Paul D. Dias mais tarde, o corpo desperta e espera à porta, pelos residentes do 124. A história começa assumir descrições dolorosas e tortuosas e a duplicidade de sentimentos surge. Como é que a monstruosidade dos acontecimentos e dos consequentes atos consegue redimir uma mãe? E quando tudo parece caminhar para a degradação, eis que a esperança renasce no 124! 

Toni Morrison envolve o leitor nesta história cruelmente sofrida, criando “vida a partir da morte”. Não dá para parar de ler!

Pinturas populares (últimos 30 dias)