sábado, 27 de fevereiro de 2010

"pessoas jovens e encantadoras"


«É como se toda a gente tivesse feito um acordo tácito para viver num estado de auto-ilusão total. Para o diabo com a realidade! Vamos ter uma data de estradinhas giras e às curvas e casinhas giras pintadas de branco, de cor-de-rosa e de azul-bebé; vamos ser todos bons consumidores e um exemplo de solidariedade e criar os nossos filhos numa redoma de sentimentalismo - o papá é um homem óptimo porque ganha a vida, a mamã é uma mulher óptima porque ficou ao lado do papá estes anos todos - e se a velha realidade alguma vez saltar cá para fora e disser Buu, nós ocupamo-nos com qualquer coisa e fazemos de conta que aquilo nunca aconteceu.»
Revolutionary Road, de Richard Yates

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

"Versos, trazei-me Dáfnis da cidade."

Alcanede. Fotografia de Rogério.

«Versos, trazei-me Dáfnis da cidade.
Assim como a novilha já cansada
de procurar por bosque e vale, vai,
se deita junto ao rio nas verdes ervas
e nem à noite cede já tardia,
assim o meu amor a Dáfnis prenda
e nem cuide eu de lhe levar remédio.

Versos, trazei-me Dáfnis da cidade.
Ó despojos deixados pelo pérfido
como penhor de amor que me entregava,
eu os confio à terra que mos guarde
e a mim de novo tragam o meu Dáfnis.

Versos, trazei-me Dáfnis da cidade.
As ervas estas e os venenos estes
no Ponto em que eles nascem colheu Méris,
ele próprio mos dando, o tendo eu visto
por os beber em lobo se mudar,
em bosque se esconder e dos sepulcros
as almas invocar longe levando
searas semeadas noutros campos.

[...]

Ó meus versos, parai, que da cidade,
ó parai, versos meus, me chega Dáfnis.»
«Bucólicas», in Obras de Virgílio

sábado, 13 de fevereiro de 2010

confetes e serpentinas


«Ai como é diferente o carnaval em Portugal. Lá nas terras de além e de Cabral, onde canta o sabiá e brilha o Cruzeiro do Sul, sob aquele céu glorioso, e calor, e se o céu turvou, ao menos o calor não falta, desfilam blocos dançando avenida abaixo, com vidrilhos que parecem diamantes, lantejoilas que fulgem como pedras preciosas, panos que talvez não sejam sedas e cetins mas cobrem e descobrem os corpos como se o fossem, nas cabeças ondeiam plumas e penas, araras, aves-do-paraíso, galos silvestres, e o samba, o samba terramoto da alma, [...] No fim do dia, já terminado o desfile, o céu limpou, tarde foi, os carros e carruagens seguiram o seu destino, lá ficarão a enxugar até terça-feira, retocam-lhes as pinturas deslavadas, põem-se os festões a secar, mas os mascarados, mesmo pingando das melenas e cadilhos, vão continuar a festa por essas ruas e praças, becos e travessas, [...] o dia de cinzas e do esquecimento será só na quarta-feira.»
O Ano da Morte de Ricardo Reis, de José Saramago

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Amendoeiras em flor


No tempo em que Al-Gharb era terra de mouros, Silves desconhecia o dito Silves de tempos vindouros. Silves fazia-se conhecer por Chelb. E em terra de mouros reinava rei mouro! Rei com nome de rei! Ibn-Almundim.
Os dias eram feitos de batalhas e mais batalhas, mas o rei de tez cobreada, bravo e audaz, na guerra não conhecia o sabor da derrota. Certo dia, enquanto caminhava por entre os prisioneiros de uma batalha, os seus olhos encontraram uma bonita princesa de olhos azuis e porte altivo. Gilda era seu nome. Maravilhado com tamanha beleza, Ibn-Almundim não hesitou em dar-lhe a liberdade e confessar-lhe o seu enorme amor.
Não se fazendo esperar, Ibn-Almundim desposa a sua rainha e tal amor lhe tinha, que os anos felizes foram muitos.

Só que a felicidade cansada de ver tanta alegria no jovem casal, leva a doença até à “Bela do Norte”. (Assim lhe conhecia o povo). Rouba o sorriso à jovem rainha, que adoece, deixando o rei que tinha nome de rei com lágrimas de desconsolo. Tudo o rei tentou, mas nada tirava a rainha da sua maleita. Ibn-Almundim desesperava de tanto a ver sofrer. Mas os dias também não são sempre iguais e um certo dia, um velho cativo nas catacumbas do reino, cansado de saber da tristeza da sua rainha pede para ser recebido pelo rei.
- Ibn-Almundim, disse o velho. – A “Bela do Norte” sofre de nostalgia do seu país distante. Falta-lhe os campos pintados de branco e os flocos gélidos do norte.
Descoberta a sua malfadada desgraça, o rei com nome de rei não parou até conseguir deslumbrar os olhos da “Bela do Norte”, com a brancura do seu país gélido. E foi com ordens de rei, que Ibn-Almundim mandou plantar por todo o seu reino as lindas amendoeiras.

Na Primavera seguinte, Ib-Almundim conduz a sua “Bela do Norte” à janela do castelo e deixa-a contemplar o maravilhoso espectáculo das amendoeiras em flor. Ao ver as brancas flores das amendoeiras, a jovem Gilda dá mostras de alegria e todo o seu corpo dá mostras de recuperação, pois ao ver as terras cobertas por um manto branco, a jovem rainha julgou ver a neve ainda não esquecida da sua gélida terra.
- Vede minha adorada e doce rainha - disse-lhe Ib-Almundim de sorriso no rosto - Alá quer ver-vos de novo, de olhos brilhantes e felizes.
Ficou assim Gilda curada da saudade que sentia. E, todos os anos, no início de cada Primavera, a "Bela do Norte" via do alto da torre, as amendoeiras cobertas de lindas flores brancas, que lhe faziam lembrar os campos cobertos de branca neve da sua gélida terra.
________________
Fonte: Infopédia

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Trilhos


Existem caminhos que levam a trilhos,
Que se cruzam por vezes no meio de algures,
Mas ela nem sempre soube qual o caminho que seguia
Ou qual o caminho que queria encontrar.
Por várias vezes andou à deriva.
Perdeu-se e deixou-se ficar
Quieta, sem norte e sem rumo.

Pinturas populares (últimos 30 dias)