quarta-feira, 28 de maio de 2014

«A Casa dos Espíritos»

Quanto mais leio Isabel Allende, mais me apaixono pela sua escrita, pelas suas histórias e pelos seus personagens tão bem caracterizados. 

A Casa dos Espíritos narra a saga da família Trueba. A história é passada no Chile, desde a década de 20 aos anos 70, e é tão intensa e envolvente, que o leitor sente-se completamente embrenhado nesta dinastia. 

Esteban Trueba é o patriarca teimoso, colérico e de feitio não muito afetuoso, que levou a vida a pulso. Tudo o que conseguiu foi com o suor da sua luta e trabalho. Ergueu Las Tres Marias, a terra da sua família, fez fortuna e ganhou estatuto social. Já cansado de semear bastardos pela região, decide casar com Clara, a irmã mais nova de Rosa, a noiva falecida. Clara é fantasista e tem poderes sobrenaturais. Da união de ambos nascem Blanca, Nicolau e Jaime. Blanca apaixona-se por Pedro Tercero Garcia desde a infância e desta paixão nasce Alba, a neta por quem o senador Trueba mostra todo o seu afeto. 

O relato da vida de Esteban Trueba, um homem carregado de defeitos e virtudes, e da sua família, que se estende por três gerações, está povoado de personagens dotadas de forças e temperamentos extraordinários, que não se perdem mesmo depois de mortos. A positividade está nas mulheres desta família. Elas são a força, a energia e a fuga para o que é mágico. Através desta narrativa, repleta de um realismo fantástico, vamos também tomando conhecimento da evolução social do país. Das atrocidades vividas pelo povo chileno no regime de Pinochet. Da luta pela liberdade de um povo e de um país, que podia muito bem ser qualquer país latino-americano. Da escuridão e da esperança que nos chega pela voz de Alba.

«Quero pensar que o meu ofício é a vida e que a minha missão não é prolongar o ódio, mas apenas encher estas páginas enquanto espero o regresso de Miguel, enquanto enterro o meu avô que descansa agora a meu lado neste quarto, enquanto aguardo que cheguem tempos melhores, gerando a criança que trago no ventre, filha de tantas violações ou talvez filha de Miguel, mas sobretudo minha filha.»

Isabel Allende neste seu primeiro romance, cheio de vida própria, narra com mestria uma formidável saga familiar onde os personagens ficcionais caminham lado a lado com os reais. Mesmo que nunca mencionados, sabemos que o poeta Pablo Neruda e o presidente Salvador Allende fazem parte desta história magistral. 

Não há como negar, a literatura latino-americana é sublime.

domingo, 25 de maio de 2014

trinta mil dias

..., Fátima Afonso, Portugal

«Fiz ontem as contas e foram mais de trinta mil os dias em que adormecemos e acordámos juntos, na cama onde agora te escrevo e de onde espero sair para ir de novo até ti. Trinta mil dias a olhar-te dormir, a saber o frio ou o calor do teu corpo, a perceber o que te doía por dentro, a amar cada ruga a mais que ia aparecendo. Trinta mil dias de eu e tu, desta casa que um dia dissemos que seria a nossa (que será de uma casa que nos conhece tão bem quando já aqui não estivermos para a ocupar?), das dificuldades e dos anseios, dos nossos meninos a correr pelo corredor, da saudade de nos sabermos sempre a caminho de sermos só nós. Trinta mil dias em que tudo mudou e nada nos mudou, das tuas lágrimas tão bonitas e tão tristes, das poucas vezes em que a vida nos obrigou a separar (e bastava uma tarde longe de ti para nem a casa nem a vida continuarem iguais). Trinta mil dias, minha velha resmungona e adorável. Eu e tu e o mundo, e todos os velhos que um dia conhecemos já se foram com a velhice. Nós ainda aqui estamos, trinta mil dias depois, juntos como sempre. Juntos para sempre. Trinta mil dias em que desaprendi tanta coisa, meu amor. Menos a amar-te.» 
Prometo Falhar, Pedro Chagas Freitas

quinta-feira, 22 de maio de 2014

«La Grande Bellezza»


A propósito da 7.ª edição da 8 1/2 Festa do Cinema Italiano, que teve lugar na semana passada em Loulé, tenho de vos falar do filme de encerramento, A Grande Beleza, de Paolo Sorrentino, vencedor do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro 2014.

Toni Servillo interpreta maravilhosamente o personagem principal, Jap Gambardella, um escritor sexagenário, que vive à sombra do sucesso que teve o seu único romance. A sua vida é um sem fim de festas de luxo e prazeres. Agora ao festejar o seu 65.º aniversário toma consciência que, apesar de sempre se ter considerado um homem feliz e realizado, não deixou de ter uma existência essencialmente frívola.

Pelos olhos de Jap vemos as suas deambulações pela vida, as suas memórias e o amor perdido. As conversas e as festas com amigos são uma constante, mas são cada vez mais um poço vazio de futilidades. Não há fé, nem crença para suportar a decadência do corpo e sustentar o espírito. Há um constante entristecer da alma, que já não é preenchido pela vida que teve de bon vivant. O seu mundo interior está a devastar-se e o tempo escasseia. Jap tenta encontrar na sua vida trágico-cómica a beleza, a grande beleza sempre imaginada e idealizada, para assim tapar o cinismo da realidade e a melancolia que lhe cobre os dias.

A Grande Beleza é um retrato delirante da vida, da decadência, do tempo que nos foge, do vazio, do todo e do nada. Resta-nos sonhar. Um filme que mexe, faz pensar e questionar. «««««

terça-feira, 20 de maio de 2014

«Maus», de Art Spiegelman


Já falei desta obra de Art Spiegelman por diversas vezes e agora volto a falar de Maus, porque na semana passada, dia 16 de maio, soube do lançamento desta nova edição num único volume pela Bertrand Editora. 

A publicação em português dos dois volumes de banda desenhada estava desaparecida fazia bastante tempo e por isso foi com surpresa e com imenso agrado que soube desta feliz notícia, que agora partilho aqui com todos vocês.

Maus não é mais um livro sobre o Holocausto, mas sim o livro que todos deveriam ler. Através da BD, Art Spiegelman conta-nos a história de seu pai, Vladek Spiegelman, um judeu sobrevivente da Europa de Hitler. O processo utilizado pelo o autor, onde os Nazis são os gatos; os Judeus, os ratos; os polacos não-judeus, os porcos e os americanos, os cães, faz deste clássico da BD uma obra extremamente crua, perturbadora e tocante. 

sexta-feira, 16 de maio de 2014

7.ª Festa do Cinema Italiano


Já passou por Lisboa, Coimbra, Porto, Funchal e hoje chega à cidade de Loulé a 8 1/2 Festa do Cinema Italiano, que já está na sua 7.ª edição. 

Fiquei contente em saber que o Cine-Teatro Louletano volta a receber, pelo segundo ano consecutivo, esta mostra de cinema italiano, que estará até domingo, dia 18 de maio. 

O ano passado, o acolhimento desta iniciativa por parte do público foi bastante satisfatório e considerei os filmes selecionados cinco estrelas. Mas a comédia de abertura do festival, Una Famiglia Perfetta, de Paolo Genovese, foi realmente o meu eleito. Pelos personagens, pela história, pela comicidade e pelas mensagens retidas. Hilariante! 

Este ano já estive a ver o programa e escolhi dois filmes: Viva a Liberdade, de Roberto Andò e A Grande Beleza, de Paolo Sorrentino. E ainda quero aproveitar o workshop Italiano per principianti. :) 

segunda-feira, 12 de maio de 2014

«A grande loucura» de Selarón



Escadaria do Convento de Santa Teresa no Rio de Janeiro, Brasil

«A grande loucura» de Selarón, pintor e ceramista autodidata chileno, pode ser vista e apreciada à medida que subimos os 215 degraus da escadaria do Convento de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. 

Esta obra de arte teve o seu início em 1990 e é uma grande homenagem do pintor ao povo brasileiro. Em 1998, quando a obra estava quase pronta, Selarón teve conhecimento de um lugar que vendia azulejos europeus para colecionadores, então teve a ideia de trocar os azulejos já postos, por outros que ia comprando, transformando a obra "mutante, uma obra de arte viva". E assim, pouco a pouco, a escadaria tornou-se numa verdadeira coleção de azulejos de todo o mundo, com mais de dois mil azulejos diferentes.

Para além do Brasil, a escadaria de Selarón tem azulejos de mais 47 países tais como: Portugal, Espanha, Inglaterra, Escócia, Irlanda, Alemanha, França, Marrocos, Holanda, Grécia, Itália, Iraque, Síria, Paquistão, Índia, China, Japão, África do Sul, Nigéria, Argentina, Chile, Perú, Bolívia, E.U.A., entre muitos outros países. 

Selarón teve ainda a oportunidade de pintar alguns azulejos, que também estão expostos nesta enorme montra de arte e refere num deles, logo à entrada da escadaria, que só "acabarei este sonho louco e inédito no último dia da minha vida..."

Foi encontrado morto na escadaria na manhã do dia 10 de janeiro de 2013.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

«Favela»

Favela da Mangueira no Rio de Janeiro, Brasil

Numa vasta extensão 
Onde não há plantação 
Nem ninguém morando lá 
Cada um pobre que passa por ali 
Só pensa em construir seu lar 

E quando o primeiro começa 
Os outros depressa 
Procuram marcar 
Seu pedacinho de terra pra morar 
E assim a região 
Sofre modificação 
Fica sendo chamada 
De a nova aquarela 

É aí que o lugar 
Então passa a se chamar favela
Favela, Padeirinho da Mangueira e Jorge Pessanha

quinta-feira, 1 de maio de 2014

12| livrarias e bibliotecas no mundo

Garagem dos Livros em Porto Alegre, Brasil

Num feliz acaso, encontrei no Brasil esta Garagem dos Livros, situada no centro histórico de Porto Alegre, perto da Usina do Gasômetro, na Rua General Salustiano, 214. Este maravilhoso alfarrabista (sebo, no português do Brasil), para além de ter imensas preciosidades literárias é também um espaço cultural muito característico e genuíno.

Foi com simpatia que me deixaram explorar esta garagem apinhada de estantes de livros e decorada com quadros de autores e artistas de cinema. Percorri com os dedos algumas lombadas de livros tão usados e claro que rapidamente encontrei os nossos autores portugueses, Fernando Pessoa e Eça de Queirós. Também lá descobri alguns estrangeiros conhecidos como Virginia Woolf, Thomas Mann, Oscar Wilde, Luigi Pirandelo, Shakespeare, Mário Quintana, Carlos Drummond de Andrade.

Lendo um pouco da história do sebo Garagem dos Livros, fiquei a saber que este espaço tão peculiar fez parte da 8.ª edição da Bienal do Mercosul e é o único da capital do Rio Grande do Sul que se incluí no módulo de Cidade Não Vista. Já o dono deste tão especial recanto literário é o senhor João de Souza Machado, de 74 anos, que é mais conhecido por João dos Livros. 

O cheiro do pó dos livros rejuvenesceu a nossa ainda longa caminhada.

Pinturas populares (últimos 30 dias)