quarta-feira, 4 de agosto de 2010

“à procura da razão do seu inexplicável sentimento de culpa”

O Sétimo Véu, de Rosa Lobato de Faria
O Sétimo Véu foi a minha primeira incursão pela escrita de Rosa Lobato de Faria. E no final da leitura senti-me triste por o livro não me pertencer, porque tive de resistir ao impulso de pegar no lápis para sublinhar, sublinhar e sublinhar, por ter de o devolver e por este não mais ficar perdido pelas minhas prateleiras.

A história começa a ser contada, no presente, por Mila, a rapariga que aos vinte e dois anos entrou na Casa das Lias para ser dama de companhia e sem saber como foi «resvalando para o estatuto de governanta, costureira, cozinheira, criada para todo o serviço, pau-para-toda-a-obra, babá, preceptora, mas também confidente e às vezes bode expiatório.» A mulher que conheceu cinco gerações da família Amaral e que agora, com 76 anos, se encontra numa Casa de Repouso, longe da casa que sempre foi sua durante cinquenta e quatro anos e onde gostaria de estar, claro está!
Mila conta o passado desta família a D. Floriana, uma amiga da Casa de Repouso. Mas Mila não sabe tudo e por isso os capítulos vão-se intercalando com o discurso directo de outras vozes femininas. Porque certos segredos só o leitor tem direito a conhecer!
Assim, já no segundo capítulo é Joana que fala. A filha mais velha de Ana Salomé e João Baptista. Esta dá-nos a conhecer a irmã Marta, o padrinho Augusto que acaba de morrer e a avó Júlia que já morreu. Joana é uma mulher solteira de 32 anos, que tem Vasco que a adora, mas que «procura a razão do seu inexplicável sentimento de culpa na história da sua família.» Joana é a personagem central desta saga familiar que, tal como tantas outras famílias, tem as suas desavenças, os seus ressentimentos, as suas tristezas, as suas alegrias e os seus segredos, mas que no entanto mantém um sentido de união, de pertença a um lar: à Casa das Lias.

«E agora, perante a leitura da carta lacrada da minha avó Júlia, deixei de saber quem sou.
Se a minha cabeça já era complicada, agora é um turbilhão. Não é fácil encontrar pés de barro nos ídolos de toda uma vida, descobrir que o terreno mágico da infância estava minado de mentiras e finalmente perceber que ninguém achou necessário contar-me a verdade, que lhes pareceu mais cómodo deixar-me na ignorância dos factos o resto da minha existência.»

Ao longo dos vinte e cinco capítulos vamos tentando descortinar, através de Joana e das outras narradoras, tudo o que nunca foi dito, nem contado. Simultaneamente com a Joana vamos descobrindo as mágoas e os sofrimentos vividos pelas diferentes gerações e procurando entender, tal como a Joana, o seu sentimento de culpa.

Rosa Lobato de Faria, numa escrita suave e fluida, conta-nos em tom de confidência uma história de família que podia ser a nossa história de família. Transporta-nos para um regressar às origens, aos cheiros, aos sabores da casa e «quando digo casa refiro-me sempre à casa dos meus pais». É sem dúvida uma doce e bonita história, que prima pelos toques de humor e sabor a feliz nostalgia e ainda por um desenrolar surpreendente.
No final da leitura, a citação de início do livro de Clarice Lispector, «Não te preocupes em entender: viver ultrapassa todo o entendimento.», faz então todo o sentido.

10 comentários:

N. Martins disse...

Este por acaso tenho-o na minha estante. Este e o A Flor do Sal, os restantes li-os emprestados e, como tu, fiquei com pena de não poder ficar com eles.
Gosto muito dos livros dela. As histórias às vezes são muito semelhantes, com temas similares, mas é sempre bom voltar aos universos familiares que a Rosa Lobato Faria criou. :)

Paula disse...

Fiquei bastante curiosa com este livro. Li somente um da autora: Alma Trocada, muito bom também. Quero ler "A Trança de Inês" já li vários comentários e muito bons.

Abraço e obrigado pela partilha!

susemad disse...

N. Martins da autora li mais um, "O Prenúncio das Águas", que também falarei dele aqui.
Já conhecia a poesia de Rosa Lobato de Faria, mas confesso que nunca me deu para ler a prosa. O certo é que uma amiga me emprestou estes dois livros e fiquei com imensa vontade de ler mais! ;) Foi mesmo uma agradável surpresa!

Principalmente esse que referes, Paula! Pois já li algumas versões da história de amor de Pedro e Inês e tenho curiosidade de ler a de Rosa Lobato de Faria, que tão boas opiniões tem tido. ;)
Beijinhos

Isabel Maia disse...

Os livros de Rosa Lobato de Faria são lindíssimos. Dela li "Os Pássaros de Seda" e "Os Três Casamentos de Camilla S." e adorei ambos. Assim que tenha uma oportunidade tentarei ler mais obras desta talentosa Senhora que deixou este Mundo das Letras mais pobre.

Boas leituras :)

Unknown disse...

Eu tornei-me de repente fã desta escritora.
E fico muito satisfeito por também gostares. É incrível: passo por vários blogues e toda a gente fica maravilhada com a escrita de RLFaria.
Usaste aí um adjectivo que me parece perfeito para caracterizar a escrita de RLF: "SUAVE". É isso. Ela nunca será prémio Nobel. Não escreveu tratados nem romances psicológicos. Mas tem uma suavidade, uma beleza leve que faz da leitura um passeio; uma caminhada pela floresta das letras, das sensações, do prazer de ler.

Teté disse...

Nunca li nenhum livro dela, só contos ou obras em colaboração, mas gosto imenso da escrita dela.

Estive na Feira do Livro em Portimão, não vi por lá, nem este nem o tal d'"Os livros que mataram o meu pai"... Enfim, não se pode ter tudo! :)

Beijocas!

susemad disse...

Concordo plenamente, Isabel Maia! Depois de ter lido estes dois fiquei convencida e quero voltar às estórias da autora, que tão bem sabe contá-las!


Então já somos dois, Manuel Cardoso. :) Sim devo dizer que de todas as opiniões que tenho lido, referente aos vários livros da autora, ainda não houve uma que fosse negativa.
Gostei muito das tuas últimas palavras ("tem uma suavidade, uma beleza leve que faz da leitura um passeio; uma caminhada pela floresta das letras, das sensações, do prazer de ler."), pois é exactamente isso que senti ao ler Rosa Lobato de Faria.


Então lê Teté, que tenho a certeza que vais gostar. Ainda mais se já gostas da escrita dela.
Eu ainda não fui para os lados de Portimão. Talvez vá na sexta-feira. Fui anteontem à de Faro e comprei por lá, finalmente, a máquina de fazer espanhóis, de Valter Hugo Mãe e mais uma pequena obra de Kafka, O Fogueiro.
Beijos

Brinquinho da cantareira disse...

FIQUEI COM VONTADE DE LER...
Vou comprar...
Adoro ler , mas a verdade é que nunca li nenhum livro da Rosa....
Gostei...
SUUUrriisnhos:)

Unknown disse...

Olá
Li já alguns livros da Rosa Lobato de Faria e já sou uma fã. Por acaso comprei este no outro dia, portanto irei lê-lo nos próximos tempos.
Esta escritora foi uma das melhores surpresas que tive nos últimos tempos.
Boas leituras
Pat

susemad disse...

Susaninha então porque não uma primeira incursão pela escrita da autora? Se não for por este, pode ser por um outro, pois me parece que todos eles nos contam bonitas histórias. ;)


Parece que depois de conhecer a autora é impossível não se ficar fã, Patrícia! :)
Concordo contigo. Rosa Lobato Faria está sem dúvida entre os escritores portugueses que conheci este ano e que me surpreenderam em grande pela positiva ao ponto de querer ler muito mais das suas obras.

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