quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Conta-me o(s) teu(s) sonho(s)

Dreams, Maria Mola, EUA

Quem visita o tonsdeazul desde algum tempo com certeza deve estar lembrado dos meus desafios em jeito de escrita criativa. Para os mais desatentos podem consultá-los aqui. E todos esses que visitam este cantinho e/ou já participaram nestes desafios com certeza devem ter saudades! Vá não se acanhem e digam que sim, nem que seja para me fazer a vontade. ^.^ Afinal o último desafio foi lançado em Janeiro de 2009 e até eu já tenho fome de ler e deliciar-me com as vossas palavras! E como hoje entrou o Outono lembrei-me de colocar as vossas mãos a aquecer para os dias frios que se aproximam! Que dizem? ^.^

Sendo assim, desafio os de sempre, os que já participaram e os que irão ter a sua primeira vez, a escrever algumas linhas (não vos imponho limite de palavras para não vos cortar a inspiração, mas por favor não se entusiasmem demasiadamente!), que têm de ser inéditas, mas que podem estar em prosa ou em poesia. Contudo, a palavra Sonho(s) terá de integrar o texto.
Não se intimidem e participem, porque só a vossa participação dá sentido a tudo isto! Cá vos espero na minha caixa de correio electrónico susemad@gmail.com até dia 7 de Outubro.

Atenção não se esqueçam de enviar os seguintes dados com o texto: título do texto, nome (com o qual pretendem ser identificados) e nome do blogue (facultativo).
____________________________
Nota: Os textos a concurso não poderão ser publicados em lado nenhum e não poderão identificar-se como autores dos mesmos até ao final do desafio.

E claro que o prémio para o vencedor(a) continua a fazer parte destes meus desafios!

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

"quem é o duplicado de quem"

Iniciei a leitura de O Homem Duplicado, de José Saramago com alguma expectativa, mas quando terminei senti um certo desencanto. Pela primeira vez um livro do autor soube-me a pouco! A história ficou aquém daquilo que esperava encontrar.

O Homem Duplicado conta a história de um solitário professor de História. Tertuliano Máximo Afonso é o nome do nosso personagem principal. Tudo se desenvolve no dia em que Tertuliano aluga o filme, Quem Porfia Mata Caça, que lhe tinha sido recomendado pelo seu colega de Matemática. Um filme que sendo de humor, apenas lhe causa alguns arranhares no sorriso e que terminaria sem quaisquer factores de causa e efeito se não fosse Tertuliano Máximo Afonso ter reparado num actor secundaríssimo, que apenas intervém em algumas sequências do filme. E que tinha este empregado de recepção? Pois era simplesmente a cópia de Tertuliano Máximo Afonso!

«O que mais me confunde, pensava trabalhosamente, não é tanto o facto de este tipo se parecer comigo, ser uma cópia minha, digamos, um duplicado, casos assim não são infrequentes, temos os gémeos, temos os sósias, as espécies repetem-se, o ser humano repete-se, é a cabeça, é o tronco, são os braços, são as pernas, […], o que me confunde não é tanto isso como eu saber que há cinco anos fui igual ao que ele era nessa altura, até bigode usávamos, e mais ainda a possibilidade, que digo eu, a probabilidade de que passados cinco anos, isto é, hoje, agora mesmo, a esta hora da madrugada, a igualdade se mantenha, como se uma mudança em mim tivesse de ocasionar a mesma mudança nele, ou, pior ainda, que um não mude porque o outro mudou, mas por ser simultânea a mudança, isto é que seria de dar com a cabeça nas paredes, [...]»

A partir daqui Tertuliano Máximo Afonso não mais consegue ter um sono tranquilo. A sua pessoa vive na ansiedade de descobrir tudo sobre o outro. Aluga mais filmes da mesma produtora para procurar no genérico do filme, através do método de eliminação, o nome do actor que é a sua cópia. E quando consegue finalmente o nome decide escrever para a produtora para conseguir a morada. Só que para isso precisa de mentir à sua namorada, (que não é bem sua namorada, é assim uma coisa) Maria da Paz, pois ele decide fazer-se passar por uma admiradora do actor Daniel Santa-Clara, que é o pseudónimo de António Claro.

Mas depois não lhe chega saber que vivem na mesma cidade, mas em bairros diferentes! Quer saber mais, muito mais! Então toma a decisão de telefonar para a casa de António Claro. Na primeira vez quem lhe atende é a mulher do actor, Helena, que o confunde com o seu marido. Descobre então que para além de serem completamente iguais fisicamente, também têm a mesma voz. Na segunda vez que telefona ouve a sua própria voz do outro lado.
Vão acontecendo uma série de peripécias até que António Claro, resoluto em não querer saber da existência de uma cópia sua, decide finalmente marcar um encontro com Tertuliano Máximo Afonso. Assim poderão olhar-se e examinar-se mutuamente. Só claro está que o encontro só poderia causar mais intranquilidade nas suas cabecinhas. Quem seria a cópia de quem? Qual dos dois nasceria primeiro? Não vos digo terão de descobrir.

Após este encontro, António Claro tem uma ideia, daquelas luminosas, e decide usar a identidade de Tertuliano Máximo Afonso. Este cede à chantagem e permite que António Claro se faça passar por ele para passar uma noite com a sua namorada Maria da Paz (já é namorada, irá até viver com ela). Só que António Claro deixa os seus pertences na casa de Tertuliano Máximo Afonso e este, que não é parvo nenhum, decide vingar-se e vai a casa de António Claro dormir com Helena. Ora assim acaba tudo em bem, sem ressentimentos. Mas o destino por vezes prega-nos partidas e tragédias acontecem. Pois é... Quem será que no final perdeu a sua identidade? O professor de História, Tertuliano Máximo Afonso ou António Claro, o actor em ascensão? Assim, quando a história começa finalmente a ganhar pernas e forma para assumir-se, acaba. A usurpação de identidade e a ausência de liberdade individual, que podiam ser o motor de arranque "morrem na praia".

«Um dos seus mais belos romances», como é referido na badana da contracapa? Não. Um romance psicológico? Não, se o comparar com o Duplo, de Dostoiévski. Sim tive de o ler, porque tinha de comparar o que não há para comparar, pois mesmo os autores sendo “duplos” na genialidade, são diferentes em tudo o resto!

Para terminar não posso dizer que a história esteja mal contada, que não seja entusiasmante até ao final, que Saramago não nos brinde com a sua especial e tão característica forma de nos agarrar às palavras, que não levante as eternas questões de identidade ou de falta dela, que não tenha gostado das conversas entre Tertuliano Máximo Afonso e o seu senso comum, que não tenha encontrado parecenças com um outro livro do autor (Todos os Nomes, que gostei bastante), que este livro não mereça ser lido, mas o facto é que também eu, tal como o Tertuliano Máximo Afonso, queria mais!

sábado, 18 de setembro de 2010

«ser SER»

Poet's house, Maggie Taylor, EUA

«seja ruído
seja beijo
seja voo
seja andorinha
seja lago
seja pacatez de árvore
seja aterrizagem de borboleta
seja mármore de elefante
seja alma de gaivota
seja luz num olhar
seja um cardume de tardes
e grite: JÁ SOU»

in Há Prendisajens com o Xão, de Ondjaki

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Levada do Risco

Percurso: Pedestre (PR 6.1 Levada do Risco)
Localização:
Rabaçal, Porto Moniz, Madeira
Distância aproximada:
9,2 km
Duração aproximada:
3h
Grau de dificuldade:
Médio

A Levada do Risco tem início e término na Estrada Regional 110, a 1290 m de altitude. Daqui desce-se até à Casa do Rabaçal, para seguir em direcção à Levada do Risco ou à Levada das 25 Fontes (de que já falámos).
A partir do entroncamento em que temos de optar por um dos dois percursos, podemos dizer que este trajecto torna-se bastante acessível.

Neste continuámos a percorrer a floresta laurissilva ou não estivéssemos nós na Madeira! Como referimos no percurso anterior, também aqui predomina a Urze molar (Erica Platycodon subsp. maderincola), a Uveira da serra (Vaccinium Padifolium), o Mocano da Serra (Pittosporum cariaceum) e claro os tons rosa do Gerânio-da-Madeira (Geranium maderense), como podem ver na última foto.

No decorrer deste passeio tivemos o privilégio de cruzar constantemente com o Bisbis (Regulus ignicapillus madeirensis) e o Tentilhão (Fringila coelebs), que pareceram-me a mim bastante vaidosos, pois estes ao contrário dos que encontrámos em percursos anteriores, adoravam deambular-se e pavonear-se entre os turistas e posar para a fotografia. Quase que arrisco a afirmar que se tivesse umas migalhas de pão eles não se recusariam a chegar-se até à minha mão!

O trilho termina numa cascata, que tem ao seu redor uma paisagem deslumbrante e convidativa à contemplação. Aliás todos estes percursos são excelentes para a meditação e até mesmo para o deleite da leitura!
E com a descrição desta Levada dou por terminada as minhas incursões pedestres por terras madeirenses.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

"toda a gente já sabia que aquilo não acabaria em bem"

A colecção Autores Lusófonos, da revista Visão tem-me proporcionado bons momentos de leitura. Até ao momento as duas histórias que me souberam a pouco foram as de dois autores que já conhecia, Jorge Amado (O País do Carnaval) e Chico Buarque (Estorvo). Talvez por as expectativas serem maiores, as estórias tenham ficado aquém daquilo que esperava encontrar.
Já os autores africanos, como Mia Couto, Pepetela, Ondjaki, Agualusa e Germano Almeida foram uma agradável surpresa. Com uma musicalidade na escrita e repleta de sensações cromáticas a tocar a doce poesia, conseguem levar-me a viajar para aquelas terras quentes e enraizadas de estórias.

Desconhecia a escrita de todos eles e como o último que li foi Germano Almeida é de Os Dois Irmãos, que vou escrever.
Logo na nota introdutória do autor ficámos a saber do que trata a história. Esta passa-se na ilha de Santiago, em Cabo Verde e gira em torno de André Pascoal. André, irmão de João, é o personagem central a quem o autor deve este livro, onde «a realidade se confunde com a ficção». Este encontra-se sentado no banco dos réus acusado de fratricídio. Agora só falta saber as razões que levaram André a matar o seu irmão João. E é isso que vamos descobrindo ao longo dos capítulos, com o depoimento do réu e das restantes testemunhas chamadas a depor.
Assim durante o processo de julgamento ficamos a saber que André, um jovem alegre e brincalhão, é casado com Maria Joana e encontrava-se ausente da sua terra natal há três anos, mas que decide deixar Lisboa e voltar às origens, após receber uma carta de seu pai a informar que tinha colocado Maria Joana fora de casa. O pai não alega os motivos, mas pede ao filho que regresse.
Ao chegar a casa, André fica a saber pela boca de seu pai o motivo de toda a vergonha, mas mesmo assim não acredita. Decide passar os dias no convívio com a sua mulher e o seu irmão, até que as palavras de seu pai não lhe deixam de martelar na cabeça e também começa a notar diferenças de atitude na povoação. As portas e janelas de sua casa estão fechadas para o convívio com os vizinhos, os familiares, como o tio Doménico, ignoram-lhe e os vizinhos passam por ele de cabeça baixa, fingindo que não o vêem. A comunidade reagia entre pequenas gargalhadas e murmúrios perante a sua atitude passiva para com o seu irmão João. Como se fosse melhor então que ele tivesse ficado onde estava, pois escusava de «vir envergonhar ainda mais o seu velho».

21 dias se passam e após 21 dias André mata João. E a grande questão que confunde o juiz é o porquê de 21 dias depois André decidir matar o irmão? Não deveria «o réu, como homem que se mostra não destituído de alguma instrução, que já esteve no estrangeiro, que já viu televisão e frequentou cinemas e leu jornais e talvez mesmo outros livros, [ter] o especial dever de a todo o custo resistir à pressão psicológica que sentiu que se procurava exercer sobre ele e, por actos de diferente natureza, mostrar à sua comunidade a desumanidade que ela queria que ele praticasse[?]»

Germano Almeida é maravilhoso no narrar desta história. Assume-se como interveniente na história e dá-nos a conhecer as relações complexas da justiça e dos seus agentes, que entre uma audiência e outra, conviviam ora a beber um whisky descontraidamente para refrescar, ora a empanturrarem-se com um churrasco. Muitas destas situações expostas pelo autor chegam a tocar no ridículo e até a deslocação do julgamento da cidade para a aldeia para que esta tivesse uma melhor proximidade com a comunidade é uma comédia abrasadora.

Uma história muito bem contada que não deixa de nos colocar certas questões. Será de todo importante e necessário conhecer os costumes, as culturas, os diferentes valores sociais e as normas da sociedade em que se vive para melhor julgar e determinar uma sentença? Como pode um colectivo exercer pressão sobre um indivíduo, levando-o à execução de um crime e antes de a justiça julgar considerá-lo de imediato inocente?

domingo, 12 de setembro de 2010

"sois o que não sereis; o que sereis não é o que sois"




Devo confessar que estou com uma enorme expectativa para ver a adaptação para cinema do romance de Donna Woolfolk Cross, A Papisa Joana. Ao que parece esta produção alemã de Soenke Wortmann está muito boa!

A Papisa Joana, de Donna Woolfolk Cross
Enquanto aguardo pela estreia, 16 de Setembro, aproveito para vos falar do livro. Este romance histórico passa-se no Século IX e fala sobre a vida de Joana, uma mulher que ascendeu ao mais alto cargo da igreja católica. Para uns esta personagem foi histórica e para outros apenas lendária, sendo até considerada fictícia para a maioria dos historiadores! O que é certo é que a história não deixa de ser curiosa e apaixonante e sinceramente não vejo mal algum em ter existido na História episcopal uma Papisa. Por isso, acredito que esta foi mais uma das que foram ocultadas pelo poder papal.

A Papisa Joana é um livro envolvente, que depois de começado já não dá mesmo para parar. Toda a descrição da época e a forte caracterização da personagem principal deixa-nos como que ansiosos por querer saber aonde tudo irá terminar.
Joana é filha de um inflexível cónego inglês e de Gudrun, uma mulher que foi obrigada a converter-se ao catolicismo e a deixar para trás as suas raízes saxónicas. Para além disso tem dois irmãos mais velhos, Mateus e João.
Desde tenra idade que Joana se vê obrigada a passar por grandes privações e dificuldades, pois a época não era propícia para as mulheres. Assim, até chegar à idade adulta teve sempre de lutar para se afirmar e conseguir tudo aquilo que mais queria, aprender a ler e a saber cada vez mais. Só que a instrução estava vedada às mulheres e Joana não encontrou outra forma senão ir aprendendo às escondidas, ora com a ajuda do irmão Mateus, ora sozinha e mais tarde com Asclépios, um grego que passou a ser o seu tutor, contra a não muita vontade do pai, que preferia que esta instrução fosse dada apenas ao seu irmão João, já que Mateus tinha morrido.

À medida que vai adquirindo mais conhecimento, Joana vai também ela colocando em causa muitas questões, incluindo as suas crenças e Deus. Numa época onde uma mulher apenas podia aspirar a ser esposa e mãe, Joana não aceitava, nem se conformava com uma vida assim! Aliás era até uma péssima fada do lar! Com a sua persistência consegue também ela, e não só o seu irmão João, um lugar na Escola da Catedral. E é aí que conhece o amor, Geraldo, o conde de Villaris. Só que entretanto a sua vida segue outro caminho e Joana passa a viver sob o disfarce de um monge, João Anglicus. Apercebe-se que passando a viver como homem seria livre para agir e pensar. Dedica-se então à arte medicinal e é através desta arte, que chega a Roma. Aí passa a conviver de perto com o poder, a intriga, o fanatismo, a intolerância e a conspiração, mas Joana continua firme e fiel às suas convicções.

«A incongruência do altar sagrado e da sua base pagã pareceu a Joana um símbolo perfeito da sua própria condição: padre cristão, continuava a sonhar com os deuses pagãos da sua mãe; um homem aos olhos do mundo, era atormentada pelo seu coração secreto de mulher; em busca da fé, vivia dividida entre o desejo de conhecer Deus e o medo de que Ele não existisse. Mente e coração, fé e dúvida, vontade e desejo. Será que as dolorosas contradições da sua natureza alguma vez se resolveriam?»

Tudo vai acontecendo rapidamente até ao momento que Joana, como João Anglicus, é eleita Papa, no ano 853. Mas o amor por Geraldo, que a reencontra e acompanha entretanto, acaba por atingir contornos inesperados e as coisas podem terminar de maneira diferente. O melhor mesmo é descobrirem esta «mulher brilhante que não aceita as limitações que a sua época, profundamente misógina, lhe impõe e, armada de uma inteligência esclarecedora e de uma força de carácter inquebrantável, conquista o mais elevado poder religioso.»

Um poderoso romance histórico, com uma personagem, sem dúvida alguma, memorável!
Refiro ainda que gostei muito das explicações finais da autora, pois esclarece muitas das dúvidas que entretanto me foram surgindo ao longo da leitura.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Rodrigo Leão & Cinema Ensemble - «A Mãe»



Amanhã, dia 11 de Setembro, às 21h30, lá estarei no Teatro das Figuras, em Faro, para deliciar-me com o maravilhoso álbum Mãe, de Rodrigo Leão & Cinema Ensemble.

Neste álbum, editado em 2009, «Rodrigo Leão procura homenagear o mais puro dos amores. Ao vivo, temas novos como «Vida Tão Estranha» cruzam-se com momentos altos do seu reportório, como «A Casa», «Voltar» ou «Solitude», num desfiar de um mágico novelo de melodias que entrelaçam imagens no nosso imaginário.»

Rodrigo Leão estará em palco acompanhado de Ana Vieira, Celina da Piedade, Viviena Toupikova, Bruno Silva, Luis San Payo e Carlos Gomes.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

"não conseguia agitar os braços senão com o auxílio misterioso do vento"

Four TreesFour Trees, Kestutis Kasparavicius, Lituânia

«Palavras não eram ditas, João Sem Medo sentiu de súbito a carne converter-se numa matéria mais áspera e o sangue a correr de forma diferente nas veias.
Quis fazer um gesto. Impossível. Baixar as mãos. Não pôde. Experimentou dar um passo. Em vão. Era como se o prendessem à terra garras de âncora.
Mas só quando um pardal lhe veio construir o ninho nos braços é que João Sem Medo compreendeu com espanto que estava metamorfoseado em árvore.»
As Aventuras de João Sem Medo, de José Gomes Ferreira

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

As letras


Bix Text Generator, Sevens Heaven, Holanda

As suas mãos delicadas tocaram as minhas e de sorriso no rosto pergunta-me:
- Susana vens para o meu quarto ajudar-me a fazer os trabalhos de casa, enquanto a minha mãe fica aqui na cozinha?
- Vou sim, Raquel. Trouxeste muitos deveres para fazer?
- Trouxe a letra A. Sabes tenho que a escrever várias vezes! Estás a ver esta folha com estas linhas? Tem de ficar tooooda cheia!
- Queres ajuda para o primeiro A?
- Siiim. Ajudas-me?
- Dá-me a tua mão. Começas aqui em cima na linha, depois tocas na linha de baixo, sempre em forma redonda vais subindo até fechar. E agora só falta a perninha do A. Vês é fácil! Vá agora faz sozinha.
(E nesse pequeno instante os meus pensamentos voaram para os dias da minha infância, para aquele momento em que a minha mãe pegou na minha mão para me ajudar a escrever o A naquele caderninho de linhas estreitas, concebido especialmente para aprender a escrever as letras).
- Susana! Susana, está bem?
- Hum, Raquel... Sim estás a sair-te bem.
Mas ela pára a sua tarefa, coloca as mãos na cintura e de olhos muito esbugalhados questiona-me com um ar muito sério:
- Mas está perfeito, Susana? É que tem de estar PERFEITO! A minha mãe gosta de tudo per-fei-to!
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Dia Internacional da Alfabetização

domingo, 5 de setembro de 2010

«Le Building»


Le Building, Marco Nguyen, Pierre Perifel, Xavier Ramonède,
Olivier Staphylas e Rémi Zaarour, 2005

«A culpa foi minha, chorava ela, e era verdade, não se podia negar, mas também é certo, se isso lhe serve de consolação, que se antes de cada acto nosso nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar.»
Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago
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Será que vais deixar de cantar no duche, maninho querido? ^.^

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

"É virtude nos ministros o afligir e crime nos presos o gemer"

A autora Ana Cristina Silva chamou-me a atenção há uns meses quando alguns blogues ofereciam, juntamente com a Editorial Presença, o livro Crónica do Rei-Poeta Al-Mu'tamid. Na altura fiquei curiosa e até cheguei a participar num dos passatempos, mas não tive sorte. Entretanto procurei mais informação sobre a autora e descobri um outro livro entre as suas obras. As Fogueiras da Inquisição. E esse sim suscitou-me muito mais curiosidade ao ponto de o adquirir!

As Fogueiras da Inquisição é um romance histórico que tem como pano de fundo o Portugal do século XVI. Na época reinava D. João III e a pedido deste é instituída em 1536 a Inquisição em Portugal. Mas através das memórias de Sara de Leão, a protagonista desta saga familiar, a história vai um pouco mais atrás. Regressamos então ao reinado de el-rei D. Manuel I e ficamos a conhecer a história da avó de Sara, Ester Abecanar, a partir dos seus quatro anos de idade. Esta vivia na Judiaria de Lisboa com o seu pai Samuel Abecanar, que é físico e a sua ama Rana. Só que com a publicação do édito de expulsão dos judeus, Ester é obrigada a baptizar-se de Ester Baltasar. Nasceram assim os cristãos-novos. Mas os tempos não deixaram de ser difíceis e conturbados. Em Espanha, de onde tinham fugido, já estava estabelecida a Inquisição e os sefarditas e cristãos-novos continuavam a viver no medo e a não se sentir totalmente seguros.

É com Sara de Leão, que narra a sua história no presente, que a história começa. Esta encontra-se presa num calabouço em Évora. Para além de recordar a sua avó, os seus pais e o seu marido cristão, D. João de Leão, que já faleceram, Sara refugia-se também nos ensinamentos e na doutrina do seu povo. Sara sente uma enorme ânsia de se agarrar à vida mas, apenas aguarda pela morte na fogueira. Foi após quatro meses da morte do seu marido, que Sara foi presa pelo Santo Ofício, acusada, pela prima do seu marido, Isabel, de práticas judaizantes.

Já na segunda parte do livro o inquisidor também ganha protagonismo. Ficámos então a conhecer os seus pensamentos, os seus procedimentos e os seus padecimentos:
«Esta tarde ordenei que amarrassem as mãos aos presos que foram condenados à fogueira. Deste modo ficam impedidos de tentar o suicídio, um fim que muito me horrorizaria, visto estarem sob a minha responsabilidade. Seria o pior dos crimes se perpetrassem violência contra a própria pessoa.»

Não vou contar muito mais sobre esta história, apesar de tão pouco ter contado. Mas não quero estragar a vossa vontade em descobrir esta singular saga familiar, que coloca personagens ficcionadas ao lado de personagens históricas, como por exemplo o historiador Damião de Góis e Beatriz Luna, esta última conhecida na Europa como «a Senhora».
Refiro somente que o livro tem imensos parágrafos apetecíveis para o lápis. Esta citação que transcrevi pertence aos pensamentos do Inquisidor D. João de Bragança e foi uma das que de alguma forma mais me marcou ironicamente.
Ana Cristina Silva é uma autora a seguir!

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Será que vou aguentar esperar?!


Não sou moça para esperar pela chegada de um livro, mas confesso que este está-me a deixar por demais ansiosa!
A chegada de Livro às livrarias está prevista só para o dia 24 de Setembro e eu já ando aqui em pulgas para que os dias passem num abrir e fechar de olhos, para assim poder deliciar-me (sim tenho a certeza que será mais um livro surpreendente) com as palavras do quarto romance de José Luís Peixoto.
Ah! E a capa ficou tão bo-ni-ta! :)

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