No Coração Desta Terra de J. M. Coetzee foi o livro selecionado para voltar ao autor depois de Desgraça. Aproveitei, mais uma vez, a oportunidade da revista Sábado e se o primeiro tinha-me surpreendido, o segundo deixou-me desarmada. O autor é cru e intenso nas suas palavras, que não são nada fáceis de digerir.
Fiquei deveras agarrada à personagem principal, que nos conta a história em jeito de Diário e que só ficamos a saber o seu nome mais para o final da obra. Magda é uma mulher que pensa em si como «uma mulher de palha, um espantalho mal amanhado, com uma carantonha pintada para assustar os corvos e, no meio do corpo, um buraco, onde os ratos do campo se podiam anichar, se fossem espertos.» Para além de ser uma «criatura tão miseravelmente só, para já não dizer tão velha e tão feia», que anda no mundo «como um buraco, um buraco com um corpo à volta, com duas pernas escanzeladas a bambolear no fundo, dois braços ossudos a abanar dos lados e uma cabeçorra a balançar lá em cima.» Assim, conhecemos Magda, no seu íntimo - por vezes uma mulher, por vezes uma menina - pelos seus desejos, frustrações, pensamentos, confissões e alucinações descritos ao longo das 266 notas de um quase monólogo, obsessivo e magistral.
Magda vive no deserto, numa fazenda longínqua da África do Sul, com o pai, baas Johannes, um homem duro e distante. Os criados, a velha Anna, Jakob, Hendrik e a sua mulher Klein-Anna também lá vivem. Mesmo não vivendo só é como sempre tivesse vivido. E termina realmente só, num lugar árido, agreste, que só serve para bichos e insetos, como ela - «um escaravelho preto, enfezado com asas inúteis, que não põe ovos e brilha ao sol, um autêntico enigma para a entomologia.» As suas palavras, por vezes de raiva tolhida, são de uma solidão profunda, de alguém que não quer ser um dos esquecidos e que não será com certeza aos olhos de quem a lê!
Neste seu primeiro livro, Coetzee deixa já a marca do que são muitas das suas obras. Muito embora ainda só tenha lido duas, estas são muito idênticas na imagem seca, dura e violenta que o autor nos passa. Os seus personagens vivem prisioneiros e tentam manter-se vivos, numa sociedade onde foram aniquiladas as relações humanas e até as esperanças. No Coração Desta Terra é mais um daqueles livros que não nos deixa indiferentes, que nos provoca imensas sensações, tanto de amor, como de ódio; como de raiva, repulsa, tristeza e dor.
Do autor quero ainda ler O Homem Lento, Diário de um Mau Ano e talvez Verão. Quem já os tiver lido, aceitam-se opiniões e/ou sugestões de algum outro.