Afirma Pereira, de Antonio Tabucchi é um livro muito bom,
que se lê num ápice. E mais uma vez agradeço ao Manuel Cardoso, do blogue Dos Meus Livros, por me ter dado a conhecer esta história. Já tinha ouvido falar do
filme baseado nesta obra de Tabucchi, mas desconhecia que era passado em plena
época salazarista. E este foi o principal motivo que me levou a lê-lo. Como não
vivi no Portugal de Salazar, todos os livros que retratem histórias desses
tempos de censura são sempre de apetecível leitura.
Tabucchi conta-nos a vida do doutor Pereira, que
aparentemente seguia o seu curso sem grandes percalços e agitações. Muito
embora tivesse perdido a sua mulher, o doutor Pereira tinha uma vida pacata.
Trabalhava no jornal o Lisboa, era o responsável pela secção cultural, dedicava-se
a escrever efemérides e a traduzir contos de autores estrangeiros, como Balzac,
Maupassant, Daudet, etc.
Não fosse esta história passar-se num Portugal atemorizado e
sob escuta, nada mais havia de interesse na vida deste homem, que falava com o
retrato da sua esposa, ia ao café Orquídea para comer omeletes com salsa e
beber limonadas umas atrás das outras.
Só que ao longo dos capítulos, vamos conhecendo outras histórias.
Histórias que falam-nos de pessoas anónimas, que desaparecem ou morrem. Como a
que se passou «no Alentejo, [em que] a polícia tinha matado um carroceiro que
abastecia os mercados e era socialista»; ou aquela em que «a cidade parecia nas
mãos da polícia, [pois] viam-se camionetas e guardas com espingardas, [que temiam]
manifestações ou concentrações de rua»; ou
até mesmo a história do talho judeu, que tinha a montra toda estilhaçada e a
fachada cheia de palavras «que o homem do talho estava a cobrir com tinta
branca», mas estas histórias o Lisboa não publicava. Mas também quem é que as
publicava? «Ninguém, porque o país calava-se, não podia fazer mais nada senão
calar-se, e entretanto as pessoas morriam e a polícia fazia o que queria.» As
conversas andavam de boca em boca, «para se saber de alguma coisa era preciso perguntar
nos cafés, ouvir as conversas, era a única maneira de estar ao corrente, ou
então comprar um jornal estrangeiro.»
O doutor Pereira não queria saber de políticas e como não
queria tomar partido do quer que fosse, nada mais fazia do que dedicar-se à sua
página cultural, onde tinha carta branca para publicar os seus contos
traduzidos. Mas será que podia mesmo publicar tudo? Será que o doutor Pereira sentia-se
realmente confortável na sua vida passiva? Ou será que a revelação da existência de um «eu
hegemónico» mostra-lhe que aprecia mais a vida revolucionária dos jovens que
tinha conhecido? Será que o doutor Pereira sentia necessidade de se definir, de
se demarcar e de operar em si próprio uma mudança de atitude?
Por vezes há que tomar posições e Tabucchi mostra-nos isso
mesmo, a tomada de consciência que é necessária, face às iniquidades de
todos os dias. O doutor Pereira afirma.
6 comentários:
Parece deveras bom.
Tons de Azul, qual é o nº do livro desta colecção? Só para ver se tenho.
Abraço
Lê-se num instantinho, Paula! E o melhor de tudo é que tem realmente uma boa história.
Este tive de pedir emprestado que não tinha, mas é o número 26. Esta coleção tem obras muito boas, tenho pena que não os ter comprado todos...
Beijinho
Na verdade,é impossível não gostar deste livro :)
Nem sei como o tive na estante uns 15 anos, sem olhar para ele...
Quanto ao conteúdo,o que mais gostei foi da força com que transmite esta mensagem tão simples que tu reforças no comentário: há que tomar posições!
Por vezes temos pequenas preciosidades escondidas nas nossas prateleiras, Manuel! :)
Ainda bem que o leste e o deste a conhecer, porque realmente é uma obra imperdível.
Boas leituras!
Comprei a minha em 2ª mão, mas não fiquei com os livros todos, tenho de ver ser tenho esse :P
Abraço
Essa é sempre uma boa opção, Paula! Os meus desta coleção não devem chegar aos 10... E foi mesmo uma pena não os ter adquirido na sua maioria, porque são mesmo leituras quase que obrigatórias.
Beijinho
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