quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Pereira afirma

Afirma Pereira, de Antonio Tabucchi é um livro muito bom, que se lê num ápice. E mais uma vez agradeço ao Manuel Cardoso, do blogue Dos Meus Livros, por me ter dado a conhecer esta história. Já tinha ouvido falar do filme baseado nesta obra de Tabucchi, mas desconhecia que era passado em plena época salazarista. E este foi o principal motivo que me levou a lê-lo. Como não vivi no Portugal de Salazar, todos os livros que retratem histórias desses tempos de censura são sempre de apetecível leitura.

Tabucchi conta-nos a vida do doutor Pereira, que aparentemente seguia o seu curso sem grandes percalços e agitações. Muito embora tivesse perdido a sua mulher, o doutor Pereira tinha uma vida pacata. Trabalhava no jornal o Lisboa, era o responsável pela secção cultural, dedicava-se a escrever efemérides e a traduzir contos de autores estrangeiros, como Balzac, Maupassant, Daudet, etc.

Não fosse esta história passar-se num Portugal atemorizado e sob escuta, nada mais havia de interesse na vida deste homem, que falava com o retrato da sua esposa, ia ao café Orquídea para comer omeletes com salsa e beber limonadas umas atrás das outras.

Só que ao longo dos capítulos, vamos conhecendo outras histórias. Histórias que falam-nos de pessoas anónimas, que desaparecem ou morrem. Como a que se passou «no Alentejo, [em que] a polícia tinha matado um carroceiro que abastecia os mercados e era socialista»; ou aquela em que «a cidade parecia nas mãos da polícia, [pois] viam-se camionetas e guardas com espingardas, [que temiam] manifestações ou concentrações de rua»;  ou até mesmo a história do talho judeu, que tinha a montra toda estilhaçada e a fachada cheia de palavras «que o homem do talho estava a cobrir com tinta branca», mas estas histórias o Lisboa não publicava. Mas também quem é que as publicava? «Ninguém, porque o país calava-se, não podia fazer mais nada senão calar-se, e entretanto as pessoas morriam e a polícia fazia o que queria.» As conversas andavam de boca em boca, «para se saber de alguma coisa era preciso perguntar nos cafés, ouvir as conversas, era a única maneira de estar ao corrente, ou então comprar um jornal estrangeiro.»

O doutor Pereira não queria saber de políticas e como não queria tomar partido do quer que fosse, nada mais fazia do que dedicar-se à sua página cultural, onde tinha carta branca para publicar os seus contos traduzidos. Mas será que podia mesmo publicar tudo? Será que o doutor Pereira sentia-se realmente confortável na sua vida passiva? Ou será que a revelação da existência de um «eu hegemónico» mostra-lhe que aprecia mais a vida revolucionária dos jovens que tinha conhecido? Será que o doutor Pereira sentia necessidade de se definir, de se demarcar e de operar em si próprio uma mudança de atitude?

Por vezes há que tomar posições e Tabucchi mostra-nos isso mesmo, a tomada de consciência que é necessária, face às iniquidades de todos os dias. O doutor Pereira afirma.

6 comentários:

Paula disse...

Parece deveras bom.
Tons de Azul, qual é o nº do livro desta colecção? Só para ver se tenho.
Abraço

susemad disse...

Lê-se num instantinho, Paula! E o melhor de tudo é que tem realmente uma boa história.
Este tive de pedir emprestado que não tinha, mas é o número 26. Esta coleção tem obras muito boas, tenho pena que não os ter comprado todos...
Beijinho

Unknown disse...

Na verdade,é impossível não gostar deste livro :)
Nem sei como o tive na estante uns 15 anos, sem olhar para ele...
Quanto ao conteúdo,o que mais gostei foi da força com que transmite esta mensagem tão simples que tu reforças no comentário: há que tomar posições!

susemad disse...

Por vezes temos pequenas preciosidades escondidas nas nossas prateleiras, Manuel! :)
Ainda bem que o leste e o deste a conhecer, porque realmente é uma obra imperdível.
Boas leituras!

Paula disse...

Comprei a minha em 2ª mão, mas não fiquei com os livros todos, tenho de ver ser tenho esse :P
Abraço

susemad disse...

Essa é sempre uma boa opção, Paula! Os meus desta coleção não devem chegar aos 10... E foi mesmo uma pena não os ter adquirido na sua maioria, porque são mesmo leituras quase que obrigatórias.
Beijinho

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