Eliete de Dulce Maria Cardoso. Primeiro livro que li da autora e apaixonei-me.
A autora conta-nos "a vida normal" de Eliete que podia ser a vida de qualquer uma de nós. E foi este mundo que é o da Eliete, mas que podia muito bem ser o meu, que me aproximou da personagem, por senti-la tão autêntica. Tanto que revi a minha vida em muitos capítulos, não só enquanto jovem, mas também em adulta.
Senti este livro como um grito no feminino. Um romance de mulheres, mas de mulheres que nasceram num país que ainda vive na sua Portugalidade. Eliete já nasceu na liberdade, mas cresceu e vive o peso de ser mulher.
Porque há regras para o que uma mulher pode e não pode fazer, há os assuntos tabu e que não devem ser falados e porque ainda se acredita que uma mulher nasce para casar e ter filhos. Talvez as duas filhas de Eliete, Márcia e Inês, sejam a esperança. Acredito que elas sejam a quebra com o passado tão enraizado.
E depois há esta Eliete que tem uma família normal. Tão normal, que a rotina dos dias, leva cada um para a vivência solitária das suas vidas. Vivem assim, alienados nas suas bolhas e nas suas vidas paralelas que partilham virtualmente. Estão tão próximos uns dos outros e tão distantes nos silêncios. Tanto que, no dia em que a mudança dá-se em Eliete, ninguém repara.
"Ainda bem que existia o Facebook para nos mostrar que, independentemente dos sonhos que tenhamos acalentado, acabávamos quase todos da mesma maneira, velhos e gordos, demasiado queixosos das pequenas derrotas com que a vida nos fintava, demasiado orgulhosos das pequenas vitórias com que fintávamos a morte, demasiado opinativos quezilentos, sós."
Um livro tão cru na sua beleza. A autora toca na solidão, nas memórias e na demência que as leva, na busca do amor como o das fotonovelas e na falta dele, no desapego, na dupla vida que se vive virtualmente e no fim deixa-nos a pensar, a refletir com a nossa própria vida. Enquanto isso fico a aguardar pela segunda parte.