terça-feira, 16 de março de 2010

«Os filhos dos outros portam-se bem à mesa»

«Mas, quando nos aborrecemos, voltamos para casa... para deixar de sofrer muito com a vida dos outros e passamos a sofrer um bocadinho com os nossos. É que os nossos filhos são mais feios... a nossa mulher é mais gorda... os nossos pais estão menos mortos... os problemas dos outros, dos outros que fazem parte da raça sem sermos nós, são nobres, os outros são heróicos, os outros passam na televisão, os outros choram sem soltar ranho, morrem sem borrar as calças... e as dívidas de jogo são porque tiveram descuido, uma hesitação, uma fraqueza... nós não nós somos descuidados, hesitantes, fracos e nós não gostamos nem um pouco de nós porque queremos passar as tardes em casa do resto da raça a ajudar a raça a sentir-se melhor com ela própria. Nós queremos passar as tardes a jogar às cartas em casa do resto da raça humana e elogiar-lhes as cortinas... e os dentinhos de leite dos rebentos... enquanto os nossos filhos crescem órfãos, os nossos irmãos não nos conhecem, os nossos pais morrem de solidão nos asilos, os nossos cães morrem à fome no beco do caminho para as férias... [...] E por isso tudo fedemos a falhanço e levamos eternamente o rosto da derrota dos que se deixaram ficar... dos que não gostam de si... nem do que sai de si...»
in a verdade dói e pode estar errada, de João Negreiros

6 comentários:

Teté disse...

Por acaso também me parece que os filhos dos outros se portam bem à mesa, mas quanto ao resto, convenhamos, é de um pessimismo e de uma falta de auto-estima assustador...

Embora muito bem escrito, evidentemente!

Beijocas!

N. Martins disse...

Fortíssimo... e desconcertante. Para alguns será mesmo assim, mas para a maioria acredito que a verdade não é essa.
Não conheço o João Negreiros, mas estou a ver que tenho de conhecer brevemente.

continuando assim... disse...

MAIS LOGO, um novo capítulo da história de Alice.
lá no,
... continuando assim...

Aceito , e agradeço as vossas sugestões ... talvez a letra esteja pequena... talvez o blogue possa estar confuso.... talvez ... e talvez :)
talvez nem gostem da história...

Enfim...qualquer coisa, digam.
até logo

obrigada por seguirem, e bem vindo!!! a quem chega de novo !

Bj
teresa

Tiago Mendes disse...

Gostei deste excerto, embora não conheça o autor. Acho que há muita gente que pensa assim. Um exemplo nos ditados populares é «a galinha da vizinha é melhor do que a minha». Valorizem-se, pessoas.

Beijinhos!
Tiago

Unknown disse...

Que belo texto! E que grandes verdades! É por isso que eu abomino cada vez mais a normalidade! Cada vez mais, quero ser louco e anormal!

Filipe disse...

A poesia do João Negreiros é assim mesmo... desconcertantemente real! Por isso quem não conhece fica com vontade de conhecer... tudo é tão real, tudo parece fazer parte de nós!

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