«- Dizem que se quisesses poderias ser um bom escritor.
Nunca tinha ouvido nada semelhante na família. As minhas inclinações tinham permitido supor desde criança que fosse desenhador, músico, cantor de igreja e inclusive poeta dominical. Tinha descoberto em mim uma tendência conhecida de todos para uma escrita bastante retorcida e etérea, mas a minha reacção dessa vez foi mais de surpresa.
- Se fosse para ser escritor, teria que ser dos grandes, e esses já não se fazem – respondi à minha mãe. – Ao fim e ao cabo, para morrer de fome há outros ofícios melhores.»
Gabriel García Márquez é um dos meus escritores queridos. As suas estórias povoadas de imensos personagens, de um realismo mágico e de uma simplicidade poética são tão intensas e apaixonantes, que nos conduzem por caminhos sempre expectantes e cheios de vida.
Viver para contá-la não podia ser diferente. Esta obra de memórias do autor é repleta de tudo isso: de entusiasmo e paixão. E por isso deve ser lida devagar, bem devagar, para se saborear cada vivência ao pormenor.
O autor partilha com todos nós os seus anos de infância e juventude e em como toda a sua vida, sempre envolvida e viciada também em livros, daria lugar a alguns dos contos e romances tão nossos conhecidos. Nestas suas vivências de casa cheia por uma família sem fim à vista, de descobertas, de amores e desamores, de fugas, de conflitos e guerras num país que era o seu, fui descobrir as histórias e os personagens que inspiraram as suas obras mais aclamadas como Cem Anos de Solidão ou O Amor em Tempos de Cólera, mas também outras como Ninguém Escreve ao Coronel (o primeira que li do autor e que ainda hoje guardo um carinho especial) e Crónica de uma Morte Anunciada. E muitas outras preenchem este universo tão rico do autor.
Conhecer um pouco mais sobre um autor que tanto deu à literatura latino-americana e a nós leitores foi tão enriquecedor, como admirável. Depois da leitura destas memórias as suas estórias têm um outro sentido e uma nova identidade. Como refere Gabo no início desta obra «A vida não é a que cada um viveu, mas a que recorda e como a recorda para contá-la.»