Depois de ter lido Os livros que devoraram o meu pai, fiquei com imensa vontade de voltar a ler Afonso Cruz. A oportunidade só voltou a proporcionar-se com o lançamento do seu novo romance, Jesus Cristo bebia cerveja. Este é um livro que nos conta a história de Rosa, uma rapariga cobiçada pelo olhar lascivo dos homens, que vive no Alentejo com a sua avó Antónia. Rosa ficou órfã de pai e quando fez a primeira comunhão disse ao padre que a sua mãe foi substituída pela própria Virgem Maria. É apaixonada por westerns e está constantemente a ler ou a citar passagens do seu western preferido A morte não ouve o pianista, em que o personagem principal é um pistoleiro muito famoso, Harold Estefania. Gosta de chupar pequenas pedras como se fossem rebuçados, pois estas «são pedras que apanhou em lugares onde viveu algum tipo de felicidade ou de dor, momentos que não quer esquecer.»
Para além de Rosa, vive nesta aldeia o padre Teves, que «começou a devotar uma constante atenção [às nádegas, uma] área tão desprezada – ou tão amada – da anatomia.» e tem uma predileção pelas nádegas mitológicas de Rosa. O pastor Ari, que é o único amigo de Rosa e um apaixonado por ela, que diz que não morre, «que é para não [a] deixar sozinha.» E outros personagens que ajudam a compor a história, como o Zé Romão, o caseiro Rato, a Matilde, a senhora Santos & Santos, o Alípio. Já numa outra aldeia próxima, ficamos a conhecer o professor Borja, um homem da ciência com mais de setenta anos, que gosta de pintar versos, assinados por um tal de Diógenes de Oenoanda, no muro impecavelmente branco, que limita a propriedade de Miss Whittemore, uma inglesa, que «dorme dentro de um cachalote que um antepassado seu caçou nos mares do Sul.»
Um dia, a vida do professor Borja cruza-se com a de Rosa e este começa a visitá-la no monte, com alguma frequência. E é numa dessas visitas, que Rosa, muito chorosa, confessa-lhe que gostaria de satisfazer o sonho da sua avó, pois esta não queria morrer sem conhecer a Terra Santa. A partir daqui, os dois começam a engendrar possibilidades para levar a velha até Jerusalém, que é como quem diz: «- Se nós não conseguimos chegar a Jerusalém, temos de fazer com que Jerusalém venha até nós.»
E já contei muito sobre esta história poética, tão trágica e tão cómica, em que Jesus Cristo bebia realmente cerveja, pois o vinho era a bebida dos romanos. Neste romance, sentimos a necessidade constante de parar para sublinhar algumas passagens e vontade de partilhar com alguém uma dessas passagens realmente fantásticas ou irónicas do autor. Gostei imenso!
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