Era uma vez um pescador que não tinha filhos. Tinha 40 anos
de idade e era só uma metade de homem. Comprou um grande boneco de pano e falava-lhe
como se de filho se tratasse. Esse pescador chamava-se Crisóstomo.
Era uma vez um rapaz que era filho de quinze homens, mas não
tinha pai, tinha um avô, que lhe morreu. Era bom a matemática, era um génio, ensinava cães e queria namorar com a Teresa.
Esse rapaz chamava-se Camilo.
Era uma vez uma anã que
media uns oitenta centímetros, que deu à luz um filho, que seria um homem todo
inteiro. Morreu ao dar à luz e não soube qual dos quinze pais seria o pai do seu
filho. Essa anã não tinha nome.
Era uma vez um velho, que
quis cuidar da criança, que iria ser um homem por inteiro. Iria ser o seu avô e falar-lhe-ia da avó Carminda e de livros, que lhe
protegeriam o corpo do colesterol. Esse velho chamava-se Alfredo.
Era uma vez a mãe de uma
mulher enjeitada, que preparava a sua filha para o filho de um vizinho.
Cheirava a filha quando esta chegava a casa, para lhe sentir o cheiro de
rapazes. Essa mãe chamava-se Maria.
Era uma vez uma filha
enjeitada, que tinha uma ferida que tinha de permanecer intacta, pois esta
depois de aberta nunca mais a curaria. Num fim de tarde de verão abriu a
ferida. Tinha um nome bonito. Essa filha enjeitada chamava-se Isaura.
Era uma vez um homem
maricas, que para calar os vizinhos e alegrar a sua mãe, se casou. Mas um homem
maricas não podia deixar de o ser. Esse homem chamava-se Antonino.
Era uma vez a mãe de um
homem maricas, que não teve coragem de desfazer, de rachar, nem matar o seu
filho. Sentia culpa duas vezes, por o seu filho lhe dar desgostos, mas amava o
seu filho. Essa mãe chamava-se Matilde.
Era uma vez um velho
viúvo, que procurava mulher para casar, por não querer morrer sozinho. Tinha
uma casa, terrenos a perder de vista e uma galinha gigante como dote. Esse
velho chamava-se Gemúndio.
Era uma vez uma mulher
que no dia em que casou também morreu, em cima da galinha gigante, que iria ser o banquete da boda. A sua cria nesse dia ficou órfã. Essa mulher
chamava-se Rosinha.
Era uma vez uma cria que
se chamava Mininha, que era o nome pequeno de Emília.
Esta é história de um pescador
chamado Crisóstomo, que adopta um filho chamado Camilo, que teve um avô chamado
Alfredo, gostava da Teresa e que empurra o seu pai para uma mulher enjeitada chamada Isaura, que teve
uma mãe chamada Maria e era casada com um maricas chamado Antonino, que tinha
uma mãe chamada Matilde, que era a patroa de uma mulher chamada Rosinha, que
morreu no dia em que se casou com um velho viúvo chamado Gemúndio, que na sua morte não foi beijado pela cria chamada Mininha, que ganhou um grande boneco de pano, que lhe
chamou de irmão.
«Ser o que se pode é a felicidade.
[...] Não adianta sonhar com o que é feito apenas de fantasia e querer aspirar ao impossível. A felicidade é a aceitação do que se é e se pode ser.»
Valter Hugo Mãe regressa às maiúsculas com O
filho de mil homens e na imperfeição dos seus
personagens, inventa uma família e encontra a perfeição na história de cada um destes felizes.