quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

"Alá sabe melhor"

 

Há anos que queria ler "Para onde vão os guarda-chuvas" de Afonso Cruz e há anos que adiava pegar nele. Agora que finalmente o li, aceito que foi lido no tal chamamento certo.

Este é daqueles livros que nos inquietam e sei que os personagens ficarão comigo por muitos anos. O que tem de belo, também tem de doloroso em igual dose.

O que fica de nós depois da perda? Como se cura um coração de pai? Como se pode quebrar a corrente do ódio? Será a fé o remédio para a salvação? Para onde vai o que perdemos? Existe o Bem na mesma proporção do Mal? Haverá um "equilíbrio absurdamente/moralmente/esteticamente desequilibrado” compreensível no mundo?

Esta é uma história passada num Oriente efabulado, com muitas histórias dentro. E estas têm tanto de desumanas e cruéis, como de sofridas e mutilantes.

Fazal Elahi é a peça crucial neste tabuleiro de xadrez que é a vida. E todos os outros personagens, tão complexos, vão movimentando-se entre espaços brancos e negros, entrelaçando-se nas vidas uns dos outros.

Só que Elahi é especial, porque teve a audácia de não ser somente um peão. Quebrou o que está escrito, porque acreditou que tinha o poder da decisão. A sua fé muçulmana levou-o a adotar Isa, uma criança americana e cristã. Daí que tece-nos uma tapeçaria multicolor da sua vida, que transborda tanto de poesia, como de chagas.

No final, não queria fechar o livro, por não querer terminar com uma dor profunda no peito, enquanto ouvia ecoar "escarlatina, escarlatina, escarlatina."

As palavras de Afonso Cruz são poesia filosófica, tanto que as 567 páginas voaram-me pelos dedos. Desde então que ando há dias a tentar assimilar a finitude da vida e a infinitude da morte. Do quanto somos infinitamente pequenos e a diferença que fazia se calçassemos os sapatos uns dos outros.

"Alá sabe melhor." ☂️

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