A vinda de Mia Couto aos algarves foi um pretexto para voltar aos seus livros, que sempre têm a capacidade de encantar. As suas palavras inventadas em histórias únicas transportam-nos para lugares quentes e cheios de cor. Ainda tenho muitas outras estórias para descobrir, mas a sua escrita começa apaixonar-me cada vez mais!
Venenos de Deus, Remédios do Diabo é uma história muito bem humorada que nos fala de um médico português, Sidónio Rosa, que viaja até Vila Cacimba à procura de uma mulata moçambicana por quem se perdeu de amores em Lisboa. Deolinda é nome da amada que «não mora na terra», porque «é uma sombra.»
Já em Vila Cacimba, Sidónio torna-se médico particular dos Sozinhos. Bartolomeu, um mecânico de navios reformado, que vivia fechado no quarto e que gostaria que o Doutor o curasse de sonhar e, Dona Munda, a esposa que vivia fechada dentro de si e que no final voltou a sonhar. Estes são os pais de Deolinda ou até não, porque aqui a «terra mente para viver.» E entre venenos e remédios, o médico vai sendo o ouvinte das confissões de amores ou desamores…
«A beleza das mulheres, dizia um, é como esses dourados espinhos com que os bichos paralisam as vítimas. E os dois se aprovaram no seguinte: não existe mulher bonita, cuja beleza seja feita apenas de natureza. Existe, sim, o sentir da beleza. Mundinha não era a mulher mais bonita do Universo. Bartolomeu é que nunca olhara uma mulher de modo tão encantado. Esse amor crescera ao ponto de ele gostar dos pequenos ódios que ela lhe dedicava. Que mais ele podia continuar gostando?»
«Em Vila Cacimba faz tanto nevoeiro que os homens, por vezes, não são mais que nuvens».
É por entre névoa que lhe vão sendo revelados os segredos e mistérios das histórias não contadas pelos Sozinhos, por Suacelência ou até mesmo pela mensageira de vestido cinzento que chega para semear beijos-da-mulata, as flores do esquecimento, por toda a Vila Cacimba. Era hora de partir para o português, porque tudo o que tinha acontecido «não podia ser de outra maneira. É a vida que não tem remédio.»
Mia Couto começa citando Mário Quintana, «A imaginação é a memória que enlouqueceu». Que o seja! Enquanto houver tresandarilhos, haverá muitas mais histórias para contar e enfeitiçar.
2 comentários:
Foi o único livro que li de Mia Couto. E gostei da escrita, daquela permanente invenção das palavras que não respeitam qualquer acordo, mas não tanto da história em si... :)
Toda a gente mente ou esconde alguma coisa, o que nos leva por diferentes caminhos e rumos que por vezes desembocam num deserto árido e vazio...
Beijocas!
o sentir da beleza
interessante
gostar dos pequenos ódios
já me aconteceu
abrazo para a terra das lombas
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