A Viagem dos Inocentes de Mark Twain acompanhou-me durante largos meses no ano de 2011 e agora finalmente dei por terminada a sua leitura. E este “finalmente” não é um sinal de alívio; foram 684 páginas de boa literatura. Mark Twain é magistral nas suas descrições exatas e sem rodeios, e tem sempre presente o seu cruel sentido de humor.
«Quando penso como fui enganado pelos livros de viagens sobre o Oriente, só me apetece comer um turista ao pequeno-almoço.» Esta citação podia muito bem ser o mote de toda a obra. O autor não poupa nada, nem ninguém. Os passageiros que embarcaram juntamente com ele em novembro de 1867, no Quaker City para a grande excursão à Europa e à Terra Santa, os destinos visitados e as gentes locais e os escritores de guias de viagens são alvo do sarcasmo indolente de Twain. Politicamente incorreto e doa a quem doer, Twain relata o que vê tal e qual como é, sem floreados - e nem ele próprio escapa à caricatura!
Nesta viagem ao Velho Mundo, os americanos “inocentes” deixam a sua casa, o seu porto em Nova Iorque para se aventurarem por terras desconhecidas, mas que sempre conheceram por ouvir contar. Só que ao que parece, as maravilhas e a sabedoria do Velho Mundo, quando confrontadas com a realidade, encontram-se deformadas e bastante vandalizadas.
«As pessoas daqueles países estrangeiros são muito, muito ignorantes. […] Em Paris, esbugalhavam muito simplesmente os olhos, embasbacados quando falávamos com eles em francês! Nunca conseguimos que aqueles idiotas nos percebessem na sua própria língua. […] «Allong, reste tranquile… may be ve cum Moonday» e, podem não acreditar, mas aquele empregado, nascido e criado em França, teve de perguntar o que queria[m] dizer-lhe.»
É este o olhar soberano dos americanos para com o Velho Mundo, sendo que o autor termina esta inocente viagem deixando à deriva o sentimento de regresso, pois «A viagem é um grande antídoto contra os preconceitos, o atavismo, a estreiteza de mentes, e alguns dos nossos passageiros precisam desesperadamente disso. Uma perspectiva alargada, saudável e compreensiva dos homens e das coisas não se adquire se vegetarmos toda a vida num cantinho da Terra.»
7 comentários:
Gostei muito da última citação! E de resto abriste-me o apetite para este "livrinho"... :)))
Beijocas!
Li na sinopse da Wook que a acção passa pelos Açores e que o autor os descreve. Que achou dessa parte?
Aviso já que infelizmente nunca li Twain e, ainda mais miserável da minha parte, nunca fui aos Açores por isso conto com a sua opinião sobre a descrição do autor sobre, eventualmente as paisagens mas, mais importante doque isso, até, seria se Twain descreve os portugueses.
Obrigado.
Cumps!
É um livro bastante interessante, Teté! :) Beijinhos
Sim, Arame Farpado, a primeira paragem é mesmo nos Açores. Sendo a primeira ilha a avistar, a das Flores, que o autor descreve como "um monte de lama despontando da névoa baça do mar", mas que com a aproximação se torna num belo quadro: "um conjunto de quintas e prados verdes". Depois rumaram para São Miguel e Faial e ancoraram na Horta, onde o autor descreve as casas como "branquinhas como neve que se aninham muito aconchegadas no meio de um mar de vegetação verde e fresca, e não há povoado mais encantador do que este". Compara os quadrados verdes das colinas a "enormes tabuleiros de xadrez". Refere ainda que tudo no Faial apresenta "características portuguesas". Ou seja, "muito trigueiros, barulhentos, mentirosos, cheios de salamaleques e encolheres de ombros". Sendo a comunidade portuguesa descrita ainda como "pobre, apática, modorrenta e preguiçosa". O autor dedica praticamente 13 páginas aos Açores e aos portugueses, onde não se cansa de dizer mal, mesmo apontando um ou outro ponto positivo.
Qualquer português se sente picado no seu orgulho; e ler estas palavras nos primeiros capítulos então, é começar a disparatar com Twain! Só que a realidade é que o autor dispara em todos os sentidos nos capítulos seguintes. Ele não poupa franceses, ingleses, italianos, gregos ou turcos, etc. É o tal olhar soberano do americano para com o Velho Mundo, que afinal é pobre, analfabeto, ignorante, idiota e sei lá mais o quê! Nada o convence, nada o entusiasma, nada é tão extraordinário ao ponto de o maravilhar e daí que se sente defraudado e com vontade de "comer um turista ao pequeno-almoço"!!
No final deixa vincada a sua vontade de voltar a viajar, como sendo "um grande antídoto contra os preconceitos, o atavismo, etc."
Penso que não há melhor caricatura do que estas palavras finais. Pois realmente os "inocentes" deveriam abrir as suas mentes estreitas.
Também nunca visitei os Açores, mas tenho a certeza que irei maravilhar-me! ;) Assim, como adorei muitos outros lugares que o autor não diz muitas simpatias, entre eles estão a Itália e a Turquia.
E por agora termino que já escrevi muito... ;)
Até uma próxima!
Tons de Azul,
tenho duas coisas para te dizer.
A primeira é que adorei o teu resumo e a tua opinião, pela qual fico agradecido.
A segunda é que nunca na vida hei-de ler esse senhor e também por isso te estou agradecido! LOL
Quem não se sente não é filho de boa gente. :)
Arame Farpado, obrigada pelas palavras. No entanto, não posso deixar de referir que este livro é deveras interessante em todos os sentidos. Até mesmo para compreender a cultura americana.
E que apesar de tudo, friso que não podes deixar de ler Twain, este pai da literatura americana, o inventor de "As aventuras de Tom Sawyer" e de "As Aventuras de Huckleberry Finn" duas obras surpreendentes! Com certeza que tiveste a oportunidade de ver alguma adaptação destas obras em filme ou em desenhos animados. Eu vi-as e adorei e li as obras e ainda mais gostei.
Boas leituras! ;)
aberto o apetite, aliás a minha pastora dada mais às leituras pois eu depois de trazer o rebanho pouco tempo tenho... já me tinha falado nele...
abrazo serrano
A tua pastora pode sempre ler para ti, Mixtu, ao fim do dia. ;)
Abraço
Enviar um comentário