O Meu Irmão de Afonso Reis Cabral é um
daqueles livros que têm a força de abanar e incomodar. É um retrato desconcertante
e impiedoso, onde não existem sentimentalismos.
O livro,
Prémio Leya 2014, conta a história de Miguel, do seu irmão (cujo o nome não sabemos),
das suas quatro irmãs: Joana, Matilde, Inês e Constança (pouco referenciadas na
história) e dos seus pais. Fala-nos do Tojal, uma aldeia isolada no interior do
país, onde ainda resiste a Olinda, com o marido, Aníbal, e o filho, Quim. E
também confidencia-nos o amor de Miguel pela sua Luciana.
O
irmão de Miguel, um professor universitário divorciado, é quem nos narra a história,
presente e passada, intercalando com os seus pensamentos ou quem sabe com a voz
da sua consciência.
Miguel
tem síndrome de Down e com a morte dos pais, o seu irmão mais velho decide
ficar com ele, o que até é considerado um alívio para as irmãs. O irmão decide refugiar-se
no Tojal, com o Miguel e, na calma aparente dos dias, espera voltar à
cumplicidade da infância de ambos. Com ele, o Miguel «contaria com uma base sólida, a rotina que lhe era essencial.» Porém, o irmão nutre um amor quase que
obsessivo por Miguel. O afastamento, a culpa e a redenção caminham lado a lado
com a raiva, o ciúme e a violência.
«O
terceiro tipo de sofrimento é o dos deficientes, já que se assemelha muito ao
dos animais e ao das crianças em simultâneo. Ao dos animais, porque se
encontram presos dentro da sua própria condição. Ao das crianças, porque é a
alma que sofre. E neste, o sofrimento do Miguel. E não há muito que o irmão
mais velho possa fazer. Os pais mortos, as irmãs ausentes, a Luciana. Parece
que o Miguel se vai apagando de dia para dia, e apagando-se – como agora – em luta
contra mim. Mantém-se vivo na aparência mas as saudades da Luciana já o mataram.»
A
maturidade narrativa deste jovem autor de 25 anos é notória. Talvez por ser
trineto de Eça de Queiroz, sinta aquela responsabilidade acrescida... Contudo,
dei por mim, diversas vezes, a questionar-me com a sua capacidade de escrita. Como
é que Afonso Reis Cabral conseguiu abordar um tema tão delicado de uma forma
tão verossímil, objetiva e cruel? (Descobri, entretanto, que o autor inspirou-se
na sua experiência pessoal, pois tem um irmão com síndrome de Down).
«Regressamos
lado a lado, devagar, tacteando. Perto do caminho que sobe para nossa casa,
estreito-o com força. Murmuro-lhe ao ouvido «Miguel, não sei o que dizer», e
ele responde «Não digas nada».
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