domingo, 8 de janeiro de 2023

As tuas laranjas

 

Dois meses, meu pai. 

Achei que não te iria escrever desta vez. Que a vida seguia e eu seguia com ela. Mas, aqui estou. 

Sempre te tratei por você e agora trato-te por tu, meu pai. Espero que não me leves a mal esta irreverência.

Hoje trago-te esta fotografia do teu neto a apanhar as tuas laranjas. Tu gostavas de lhe pôr o escadote para ele subir, mas achavas sempre que não seria muito seguro para ele. Na verdade, nem para tu subires aquele escadote velho era seguro. Mas tu subias e enquanto subias o teu neto cruzava os braços de tão zangado e amuava. E quando tu descias, ele subia todo contente e atirava-se às laranjas para tu apanhares. Mas tu em tom sério dizias "- Sai daí rapaz que ainda cais daí de cima." E ele cantarolava e não ligava ao que tu lhe dizias. "- Não caio não, avô." 

Nunca foste de muitas conversas e o teu silêncio sempre ditou um certo distanciamento entre nós. Foste pai de outros tempos, mas eras um avô preocupado. Nunca te disse, mas gostava de te ver com o teu neto. Eras diferente. Tinhas um cuidado especial para com ele e isso notava-se no teu olhar.

Sabes, temos ido lá a casa às tuas laranjas. Sempre que as descasco a vida segue e eu sigo com ela.

#sobreaperda #luto #vidaemorte

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

ritmo de leitura

 

Terminei "O Infinito Num Junco" de Irene Vallejo. Levei de janeiro a dezembro a lê-lo. Quererá isto dizer que foi um mau livro? Não, de maneira alguma.

Desde que iniciei esta leitura que apercebi-me que iria ser assim, pois o livro impôs o seu ritmo e eu deixei fluir. Fui intercalando outros livros e sempre que "O Infinito Num Junco" chamava por mim eu regressava a ele.

Foi uma leitura bastante enriquecedora e fascinante. Nunca tinha lido nada da autora e gostei bastante desta descoberta. Ler Irene Vallejo foi encontrar imposição de ritmo de leitura, envolvência, sensibilidade, criatividade, paixão aos livros e até um toque de genialidade. 

Na verdade este livro, que fala do objeto Livro, de livros e da sede de leitura, foi pura deleitação!

Penso que a leitura também teve outro prazer, porque a maioria dos livros que a autora refere já os tinha lido e daí houve uma outra identificação. Contudo, também fala de alguns que eu não conhecia e claro que fiquei curiosa por lê-los. 

"A paixão do colecionador de livros é parecida com a do viajante. Toda a biblioteca é uma viagem; todo o livro é um passaporte sem data de caducidade."

Esta citação não podia ser mais perfeita. 

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Palavras para ti, Pai

 

Um mês sem ti, pai. 

Todos os dias conto mais um dia sem ti. Dizem que o tempo ajuda a atenuar a dor, o aperto no coração e que a saudade fica mais suave. Talvez seja assim, mas por agora choro-te pai. No silêncio, sozinha choro-te. Choro-te por já não estares connosco. 

Por ter-te visto ir todos os dias mais um bocadinho. Por ter sentido a vulnerabilidade da vida através de ti e saber que não podia fazer nada mais do que estar contigo. E essa sensação de impotência foi dilacerante. Não te consegui valer, meu pai. 

Porque a vida é assim mesmo, dizem-nos. Por isso, tive de aprender a gerir as emoções (quando ainda estavas connosco) e deixar-te partir.

Recordo estas últimas fotos que tirei-te com o teu neto e são o momento mais especial em que vos apanhei juntos. Ele a seguir as tuas pedaladas de ciclista e tu todo orgulhoso.

Por vezes, ele apanha-me num dia mais triste e pergunta-me se é por causa de ti que choro. Nesta última vez, ao dizer-lhe que sim respondeu-me: "- Sabes menina mãe quando eu fico triste, logo a seguir penso em uma coisa que me faz feliz."

E sabes o que me respondeu quando lhe perguntei no que pensa para ficar feliz? 

"- Penso muito em batatas fritas, na praia e no cinco que dava ao avô".

E são estas pequenas conversas com o teu neto que me fazem sorrir no luto da tua perda. Choro-te de saudade, meu pai. 

Seremos sempre cinco.

#sobreaperda #luto #vidaemorte

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

#saramago100

 


"Depois de muito caminhar, ainda o amanhecer vinha longe, achei-me no meio do campo com uma barraca feita de ramos e palha, e lá dentro um pedaço de pão de milho bolorento com que pude enganar a fome. Ali dormi. Quando despertei, na primeira claridade da manhã, e saí, esfregando os olhos, para a neblina luminosa que mal deixava ver os campos ao redor, senti dentro de mim, se bem recordo, se não o estou a inventar agora, que tinha, finalmente, acabado de nascer. Já era hora."
As pequenas memórias, José Saramago

Para celebrar o centenário de Saramago, estou a ler os Cadernos de Lanzarote. Pretendo ler todos até ao final do ano, sendo que iniciei o volume IV este mês.

Também comecei a ler As Pequenas Memórias. Para quem nunca leu o autor, este é um excelente livro para descobrir o Nobel.

Ler Saramago, sempre.

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Adeus, meu pai


 «com a morte, também o amor devia acabar. acto contínuo, o nosso coração devia esvaziar-se de qualquer sentimento que até ali nutrira pela pessoa que deixou de existir. pensamos, existe ainda, está dentro de nós, ilusão que criamos para que se torne todavia mais humilhante a perda e para que nos abata de uma vez por todas com piedade. e não é compreensível que assim aconteça. com a morte, tudo o que respeita a quem morreu devia ser erradicado, para que aos vivos o fardo não se torne desumano. esse é o limite, a desumanidade de se perder quem não se pode perder. foi como se me dissessem [...] vamos levar-lhe os braços e as pernas, vamos levar-lhe os olhos e perderá a voz, talvez lhe deixemos os pulmões, mas teremos de levar o coração, e lamentamos muito, mas não lhe será permitida qualquer felicidade de agora em diante.»
a máquina de fazer espanhóis, Valter Hugo Mãe

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

"serei eu quem me lembro de ser?"


Hoje trago-vos a banda desenhada  "O Pescador de Memórias" de Miguel Peres, com ilustração de Majory Yokomizo e prefácio do também autor e ilustrador, Edmond Baudoin.

A força desta capa, ilustrada por Lucas Pereira,  conseguiu transmitir tanto numa só imagem que rendi-me de imediato.

Depois foi a doença de Alzheimer que é um tema que mexe muito comigo. É bastante perturbador imaginar o perder da memória, a nossa identidade, tudo aquilo que somos e vivemos. Daí que adianto já que esta BD é tão bonita que dói.

O argumento de Miguel Peres prende e maravilha. Gostei especialmente de toda a simbologia que envolve de imediato o leitor. Digo ainda que, nem sempre todas as histórias têm inícios ou finais bonitos, mas Peres soube fazê-lo isso de forma sentida e inigualável.  

Em relação às ilustrações de Marjory Yokomizo, nem sempre as achei bonitas, mas a escolha em aguarela funciona maravilhosamente bem. Dá a harmonia perfeita à história.

Termino referindo o cuidado com os detalhes, destaque para a bonita lombada. Podem achar que não, mas os leitores gostam destas coisas.

domingo, 11 de setembro de 2022

A Feira do Livro de Lisboa veio aos algarves


Rescaldo da Feira do Livro de Lisboa. Tinha feito uma lista para 5, terminei com 13 livros. 

As voltas da vida não permitiram-me subir até à feira, mas ter marido e irmão a trabalhar em Lisboa e arredores fizeram com que os livros chegassem até mim. 

Este ano a hora H foi a culpada de ter-me esticado no orçamento. 

📚 Assim estendi a lista para autores/ilustradores: 

- de sempre: José Saramago, Afonso Cruz e David Machado, Paulo Galindro e João Fazenda

- recentes, mas que quero ler muito mais: João Reis, Eduardo Galeano, Carlos Drummond de Andrade

- novos: Itamar Vieira Junior, Pilar del Río, Marco Polo, Miguel Peres, Majory Yokomizo e Paco Roca

Pinturas populares (últimos 30 dias)