quarta-feira, 25 de janeiro de 2023
«Dilúvio»
domingo, 22 de janeiro de 2023
Velhos Lobos
Já há algum tempo que tinha alguma curiosidade em ler Campaniço. Daí que o empréstimo de Velhos Lobos por parte de uma amiga foi a desculpa perfeita para descobrir a sua escrita.
Posso dizer que foi uma boa surpresa. Neste Velhos Lobos, a escrita de Carlos Campaniço revelou-se muito visual. O autor pinta com envolvência a ruralidade, a dureza da terra, o sol escaldante e a pobreza de um Alentejo de outros tempos. Quase que conseguimos cheirar os aromas suaves, fortes e desagradáveis; sentir os ciúmes, os amores e as fatalidades; visualizar as mezinhas, rezas e bruxarias.
O ódio alimenta durante anos duas famílias. Os Lobo, onde Francisco d' Almeida Lobo é dono e senhor da propriedade Monte do Azinhal, "imaginada como a maior de toda a planície", e os Velho, que vivem no Montinho, mas em que Maria Barnabé e Jacinto Velho nem donos da terra são, pois o pai deste deixou-lhe como herança "coisa nenhuma". Eles e seus filhos vivem na pobreza extrema e carregam as desgraças da vida.
Sebastião, a quem o médico disse a Maria Barnabé, sua mãe, que tinha um pequeno atraso, é quem nos conta a história através das suas memórias.
Assim, capítulo a capítulo vamos acompanhando as agruras e as disputas familiares destas duas famílias que isoladas da aldeia vivem na sua própria solidão.
Vivem uma solidão imposta pela lida da terra e os afazeres diários, que os mata e os leva, por vezes, também para a loucura.
Apercebemo-nos que apesar das suas diferenças sociais e de riqueza, ambas têm fins muito semelhantes.
Quero destacar o antagónico Jacinto Velho, que é o único que resiste à modernidade dos tempos e que vive bem consigo próprio e com a sua solidão. E a destemida Maria Barnabé, uma mulher mística, que representa o imaginário coletivo do saber feminino, das mezinhas, da reza, do poder e capacidade administrativa da casa. Sem dúvida duas personagens marcantes.
segunda-feira, 9 de janeiro de 2023
"Então e tu?"
Em a História de Roma, a escrita de Joana Bértholo é bastante envolvente e introspectiva. Daí que revi-me em vários momentos da história: na cultura do mate, no amor, nos programas de mobilidade, no cenário de Buenos Aires, nas viagens, na pressão da idade, no ser ou não ser mãe, nas questões que surgem daí, na morte.
Lisboa, dez anos depois. No lugar âncora, dá-se o reencontro com o antigo amor. Este vem desmoronar as certezas da jovem Joana, a personagem. Em dez dias, juntos percorrem Lisboa e redondezas, lembrando o início e as entrelinhas, mas as memórias de ambos não se encontram.
A memória regressa então a Buenos Aires, ao início. Surgem os porquês, as dúvidas. As entrelinhas do depois são reconstruídas na lembrança das inúmeras viagens de Joana à procura dele por Berlim, Marselha, Beirute sendo também essas viagens uma busca de si própria. E nessas histórias que vão percorrendo dentro da história vão evocando também o momento que poderia ter mudado o rumo da sua história de amor.
Para além de uma história de amor, a autora coloca-nos perante uma mulher, que pode ser várias mulheres e não aquilo que a sociedade está à espera que ela seja. É livre e não tem de estar aprisionada às convenções ou preconceitos, pode questionar a maternidade, porque esta também pode ser uma não opção. É de uma geração do mundo, a "primeira que democratizou a viagem por lazer e não por exílio", que vive em constante mobilidade e que pode-se apaixonar em várias línguas.
Esta é uma história sobre pessoas que são lugares, daí que termina-se questionando a certeza ou incerteza do nosso lugar.
De notar que apesar desta ser uma história ficcionada, esta podia bem ser a história da Joana autora. No entanto, as diferentes geografias narradas são cidades por onde a autora também passou e experienciou, o que não deixa então de ser biográfico.
domingo, 8 de janeiro de 2023
As tuas laranjas
Dois meses, meu pai.
Achei que não te iria escrever desta vez. Que a vida seguia e eu seguia com ela. Mas, aqui estou.
Sempre te tratei por você e agora trato-te por tu, meu pai. Espero que não me leves a mal esta irreverência.
Hoje trago-te esta fotografia do teu neto a apanhar as tuas laranjas. Tu gostavas de lhe pôr o escadote para ele subir, mas achavas sempre que não seria muito seguro para ele. Na verdade, nem para tu subires aquele escadote velho era seguro. Mas tu subias e enquanto subias o teu neto cruzava os braços de tão zangado e amuava. E quando tu descias, ele subia todo contente e atirava-se às laranjas para tu apanhares. Mas tu em tom sério dizias "- Sai daí rapaz que ainda cais daí de cima." E ele cantarolava e não ligava ao que tu lhe dizias. "- Não caio não, avô."
Nunca foste de muitas conversas e o teu silêncio sempre ditou um certo distanciamento entre nós. Foste pai de outros tempos, mas eras um avô preocupado. Nunca te disse, mas gostava de te ver com o teu neto. Eras diferente. Tinhas um cuidado especial para com ele e isso notava-se no teu olhar.
Sabes, temos ido lá a casa às tuas laranjas. Sempre que as descasco a vida segue e eu sigo com ela.
#sobreaperda #luto #vidaemorte
Pinturas populares (últimos 30 dias)
-
Agosto já está mesmo na recta final, mas não quero deixar passá-lo sem antes vos falar de mais um livro. Desta vez escolhi uma obra de Alber...
-
De Lobo Antunes apenas tinha lido algumas crónicas, até ao momento que chegou até mim O Arquipélago da Insónia . Obrigada, a ti. Devo dizer ...
-
Parque Nacional da Peneda-Gerês, Portugal "Tenho fases, como a lua Fases de andar escondida, fases de vir para a rua… Perdição d...
-
Passei parte da minha adolescência a ler ficção científica, por isso ler Sol de Diogo Carvalho foi um regressar a esse tempo. Li de um só fô...
-
Se uma gaivota viesse trazer-me o céu de Lisboa no desenho que fizesse, nesse céu onde o olhar é uma asa que não voa, esmorece e cai no mar....