sábado, 27 de maio de 2023

Sobrevivência e Perdão


Euskadi Ta Askatasuna, Pátria Basca e Liberdade 

Estávamos nos anos 90. Eu era uma miúda e pouco ou nada ligava ao que passava de notícias na televisão. No entanto, estas estavam sempre a passar na hora do jantar. O meu pai não gostava de barulho naquela hora sagrada e nós irmãos, muito quietos, obedecíamos sem pestanejar.

Uma vez por outra lá havia alguma notícia que nos captava a atenção e já não tirávamos os olhos do pequeno ecrã.

Novo atentado da ETA. Na minha memória estão gravados alguns fragmentos sobre aquele passado recente. Em casa, não se falava sobre isso, por isso assistia, mas não entendia o que se passava. Sabia que não era muito longe daqui e que era algo mau.

Há uns dois anos vi na RTP um série sobre a ETA, A Linha Invisível. Gostei tanto, que despertou-me a curiosidade. Assim, quando soube da história deste livro de Fernando Aramburu sabia que tinha de o ler.

716 páginas que se lêem num ápice. Duas famílias em lados opostos, que retratam tão bem a dor e o sofrimento que marcaram o País Basco durante a luta armada da ETA. Uma história de sobrevivência, mas também de saber pedir/aceitar o perdão.

"Acabou-se. Daqui para a frente, sem mim. E nem sequer teve um movimento de sobrancelhas meses mais tarde, quando viu na televisão aqueles três encapuzados proclamarem que a ETA tinha decidido pôr fim à luta armada."

segunda-feira, 15 de maio de 2023

"Eu tenho um lugar"

 


Já vos aconteceu desacelerar o ritmo de leitura de um livro, só por quererem saborear lentamente cada palavra escrita?

Já vos aconteceu terminar um livro e não terem palavras para escrever sobre ele?

"Somos a primeira pessoa do plural" de José Luís Peixoto é um pequeno livro de 101 páginas distribuídas por 20 textos, que o autor selecionou para esta edição especial, lançada pela editora Fundza.

Quando o José Luís Peixoto leu a primeira página do texto "Somos a primeira pessoa do plural", no auditório da biblioteca municipal de Castro Marim, soube que iria querer ler todas as páginas deste livro. Infelizmente, não o trouxe comigo nesse dia, mas chegou à minha caixa de correio três semanas mais tarde.

"Somos a primeira pessoa do plural" fala-nos ao coração e talvez por isso não tenha palavras para expressar o quanto estava a precisar de ler este livro.

É daqueles que lês a última página, fechas o livro e dizes: - Poxa que bonito foi ler-te! É dos que confortam e perduram no tempo. Dos que mais tarde revisitamos, vezes e vezes.

"Eu tenho um lugar. Por isso, nunca me perco no mundo imenso."

terça-feira, 7 de março de 2023

Ausência de palavras, Vazio

 


Como se conta uma história tendo apenas desenhos, recortes e pinceladas como guia?

Em Vazio, Catarina Sobral mostra-nos que é possível contar uma história bonita apenas com ilustrações.

Esta maravilhosa fábula visual com ausência de palavras dá-nos a conhecer um homem que apelidamos de Sr. Vazio. Nas imagens podemos ver como o personagem principal, com apenas uma silhueta branca, se distingue de todos os outros.

E o que procura o Sr. Vazio?

Procura-se a si mesmo, para deixar de estar vazio. Assim, no decorrer das suas atividades do dia a dia, como ir ao supermercado, ao médico, passear pela natureza, visitar museus, andar pelas ruas, o Sr. Vazio tenta preencher os vazios da sua vida. Mas nada acontece, pois dia após dia continua sempre vazio.

Até que um dia cruza-se com a Sra Vazia. Hum... O que será que aconteceu na vida do Sr. Vazio? 

Curiosidade: "Vazio" foi selecionado para o prestigioso catálogo White Ravena da International Youth Library.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Um hino ao desejo


O rapaz que não se tinha quieto de Rita Taborda Duarte e ilustrações de Ana Ventura é um hino ao desejo. Do ir mais longe, para lá daquilo que conhecemos, mesmo quando não se sai do mesmo lugar. De "um ínfimo espaçoide quadrado", um rapaz confidencia-nos o quanto gosta de viajar. Na verdade, o quanto "gostava era de viajar". 

Mesmo "que nunca tenha deixado [a sua] terra de palmo e meio de província, ainda que só tenha permissão para sair dos dois mil metros quadrados de quintal [...] para ir até à escola que fica já ali", ainda assim o que ele gosta mesmo é de viajar! "E ao cair da noite, com milhares de quilómetros percorridos, até [sentia-se] cansado." Na verdade, ficava "exausto, como um viajante no final da caminhada." Porque na verdade ele era uma criança desejante. Muito mais desejante até do que os homens que constroem "desejos sobre os desejos."

E nesta ânsia de querer desbravar o seu mundo redondo, o rapaz começou a pensar no transporte que podia eleger para as viagens que ainda não fazia. Primeiro o comboio, mas só até ao dia em que se desiludiu com um "viajante falsificado". Depois o barco. Só que ao eleger o barco, o mar não lhe via. Tinha que construir uma "alta torre do luar". E mais tarde um "farol estrelado". 

De tanto desejar acabava por "viajar todos os dias sem o notar; mesmo quando a paisagem à [sua] volta não muda nunca e se mantém a mesma, sempre".

A narrativa poética de Rita Taborda "sussurra ao ouvido os caminhos navegados". Convida-nos a saborear as palavras. Pois, mesmo em movimento, estamos parados. Encantados por tamanho "brilho miúdo e desassossegado." E as belíssimas ilustrações de Ana Ventura fazem a ligação perfeita para este embalo de um "barco navegante, luzente e iluminado.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

pequenos detalhes


Continuo a pensar em ti todos os dias, mesmo quando não te escrevo.

Há sempre um momento do dia em que a minha memória te vai buscar para junto de mim. Ou talvez sejas tu que entras pelos meus pensamentos adentro e muito solícito insistes que tenho de parar e pensar em ti.

Por vezes, vou a caminho de casa e um pequeno detalhe, como uma nuvem, traz-me o teu rosto até mim.

Outras vezes, quando vou a caminho da tua casa para ver a mãe, recordo aqueles dias em que depois do trabalho ia ao teu encontro e ficava sentada junto da tua cama à espera que me contasses o teu dia. E tu pouco dizias. Só querias estar ali deitado e quieto. Sabias que eu estava ali e isso chegava-te. Por vezes, eu fazia mais uma tentativa de diálogo, mas tu não querias conversar. E eu ali ficava a ver-te até ter que me ir embora. E sempre que ia, era mais um dia que sentia e sabia que te perdia. Maldita doença que te levou de nós!

Fiquei órfã de ti e não sabia que nesta idade iria ser na mesma difícil. Nem sabia que seria um processo de luto solitário. Também não sabia que cá dentro estão todos os sentimentos e que todos os dias sai um para me levantar ou deitar no chão.

Penso em ti todos os dias, pai. E hoje, particularmente, escrevo-te porque estou mais perto do chão.

#sobreaperda #luto #vidaemorte

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

domingo, 22 de janeiro de 2023

Velhos Lobos

 

Já há algum tempo que tinha alguma curiosidade em ler Campaniço. Daí que o empréstimo de Velhos Lobos por parte de uma amiga foi a desculpa perfeita para descobrir a sua escrita.

Posso dizer que foi uma boa surpresa. Neste Velhos Lobos, a escrita de Carlos Campaniço revelou-se muito visual. O autor pinta com envolvência a ruralidade, a dureza da terra, o sol escaldante e a pobreza de um Alentejo de outros tempos. Quase que conseguimos cheirar os aromas suaves, fortes e desagradáveis; sentir os ciúmes, os amores e as fatalidades; visualizar as mezinhas, rezas e bruxarias.

O ódio alimenta durante anos duas famílias. Os Lobo, onde Francisco d' Almeida Lobo é dono e senhor da propriedade Monte do Azinhal, "imaginada como a maior de toda a planície", e os Velho, que vivem no Montinho, mas em que Maria Barnabé e Jacinto Velho nem donos da terra são, pois o pai deste deixou-lhe como herança "coisa nenhuma". Eles e seus filhos vivem na pobreza extrema e carregam as desgraças da vida. 

Sebastião, a quem o médico disse a Maria Barnabé, sua mãe, que tinha um pequeno atraso, é quem nos conta a história através das suas memórias.

Assim, capítulo a capítulo vamos acompanhando as agruras e as disputas familiares destas duas famílias que isoladas da aldeia vivem na sua própria solidão. 

Vivem uma solidão imposta pela lida da terra e os afazeres diários, que os mata e os leva, por vezes, também para a loucura.

Apercebemo-nos que apesar das suas diferenças sociais e de riqueza, ambas têm fins muito semelhantes.

Quero destacar o antagónico Jacinto Velho, que é o único que resiste à modernidade dos tempos e que vive bem consigo próprio e com a sua solidão. E a destemida Maria Barnabé, uma mulher mística, que representa o imaginário coletivo do saber feminino, das mezinhas, da reza, do poder e capacidade administrativa da casa. Sem dúvida duas personagens marcantes.

Pinturas populares (últimos 30 dias)