sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

“Fui intimada”

Hoje preferia não me ter encontrado de Herta Müller foi adquirido não só por a autora ter sido nobel em 2009 (esta minha mania com os laureados), mas também, e principalmente, pela bonita capa e pelo seu título tão melancólico. Por vezes, os livros anunciando este estado de alma têm de ser lidos na altura certa. Afinal de contas, para estados assim já temos os nossos dias menos bons! O que é certo mesmo, é que não resisti em trazê-lo para casa. 

O sentimento de melancolia descreve na perfeição esta obra de Herta Müller. Uma mulher, cujo o nome não ficamos a saber é quem nos conta a sua história. «Fui intimada. Quinta-feira, dez em ponto.» Assim começa esta narrativa, que se passa numa cidade da Roménia. Sempre que é intimada, situação cada vez mais frequente, esta mulher apanha o elétrico e faz o trajeto de sempre para ir ao encontro de mais um interrogatório com Albu, major da Polícia Secreta. Enquanto não chega ao destino, a mulher vai observando as pessoas que entram e saem nas paragens e as ações contínuas do guarda-freio. Como a viagem parece longa e tudo leva à sua distração, a mulher vê-se a recordar momentos da sua vida. Ora lembra histórias de um passado recente, como a felicidade atribulada vivida com o seu marido Paul, um homem que é atormentado pela bebida; ora salta para os momentos nervosos dos interrogatórios, com o major Albu. Por vezes retrocede mais atrás e relembra o primeiro casamento com um filho de um «comunista perfumado»; os momentos em que os avós passaram num campo de detenção e os da deportação deles e até as vivências de infância. Esta última lembrança é marcada pela tentativa de seduzir o pai, para que este deixe de trair a mãe, com uma loura de trança comprida. A amizade que tem com Lilli; a tentativa em casar com um italiano para que este a levasse para Itália, o dia a dia na fábrica de roupa chique e o relacionamento com o patrão, Nelu, são também instantes recordados nesta viagem, que parece não ter fim. 

As memórias da mulher sem nome remetem-nos para uma alienação da liberdade. Não só da mulher, como também de todos os que lhe rodeiam. Parece que todos se vigiam uns aos outros. Existe uma fragmentação do eu e do indivíduo enquanto personagem de uma sociedade. O presente é sem esperança e o passado trás recordações tristes e dolorosas. Apesar disso, assistimos a ligações que parecem resistir à desconfiança, como a amizade com Lilli e o amor por Paul. Se pesquisarmos um pouco sobre a autora, constatamos que esta obra bem podia ser biográfica. Estamos perante uma narrativa sem maquilhagem. Dura e real.

6 comentários:

ematejoca disse...

Vale a pena ler Herta Müller, mesmo sem prémio nobel e a bonita capa do livro.
Toda a obra da Herta Müller é auto-biográfica, por isso dura e real.
É uma mulher vincada pelo passado na Roménia, sem um sorriso, mesmo quando recebeu o Nobel.
Não gostava de a ter como amiga, mas como escritora é admirável.

Paula disse...

Ai que me convences a ler ...

Jojo disse...

Ai tenho quem me empreste... Tenho ler 3 nóbeis este ano. Acho que Muller será um deles!:)

N. Martins disse...

Comprei o "A Terra das Ameixas Verdes" o fim-de-semana passado. Vai ser a minha estreia com esta escritora. :)

Teté disse...

Bom, o teu relato diz o suficiente para termos uma ideia do tema do livro, mas, como bem dizes, há livros que têm de ser lidos enquanto estamos numa determinada disposição. E, para já, não me apetece muito ler livros melancólicos... além da prateleira ali cheia deles a gritar pela minha atenção! :)

Beijocas e bom fim de semana!

teresa dias disse...

Belo texto!
Não conheço a autora mas está para breve a minha primeira leitura.
Fiquei curiosa e decidida a deixar-me "intimar".
Bjs.

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