sábado, 5 de novembro de 2011

"este aborto a que chamávamos amizade"

Já devo ter escrito algures aqui de que gosto e tenho sempre curiosidade em ler os escritores laureados com o prémio Nobel. Nem sei bem o porquê. Talvez seja a ânsia de descobrir algo de extraordinário que ainda não tenha lido num outro escritor.  Nesta busca constante li Rudyard Kipling, William Yeats, Luigi Pirandello, Pearl S. Buck, Hermann Hesse, Ernest Hemingway, Albert Camus, John Steinbeck, Pablo Neruda, Saul Bellow, Gabriel García Márquez, Nadine Gordimer, José Saramago, Günter Grass, Imre Kertész, Orhan Pamuk e Doris Lessing. No vasto leque de autores, encontrei estilos bem distintos e marcantes, outros nem tanto. Todos eles sempre me permitiram desfrutar de histórias únicas, que no final deixavam-me a vontade de voltar num futuro próximo. Sendo que a todos eles voltei, ficando até viciada em Hemingway, Camus, Steinbeck, García Márquez e Saramago (o único que descobri a obra antes do prémio).
Isto tudo para dizer, que no mês passado terminei mais um Nobel, Os Anões de Harold Pinter, e tive a minha primeira desilusão “nobelesca”.  As únicas expectativas que tinha eram: se é Nobel então será com toda a certeza uma boa leitura! Pois, grande erro. Ao 18.º Nobel descobri a excepção.

«O que eu quero que tu entendas, acima de tudo, é que devemos ter uma oportunidade de deixar um olho negro um ao outro, se decidirmos que é preciso. E também que, pessoas como tu e eu, que não são propriamente uma bênção pura, deviam sobreviver a uma história de amor sem se tornarem ressentidos, estúpidos ou cegos.»

Os Anões centra-se na vida de quatro personagens, Len, Mark, Pete e Virginia, que tem uma relação com este último.
Nos primeiros capítulos apercebi-me de imediato que o livro é  quase todo ele com diálogos e assim senti-me como que reconduzida para uma peça de teatro. Claro que não era este o motivo para colocar o livro de lado, pois experiências anteriores tinham-me surpreendido bastante. Só que os primeiros capítulos não entusiasmavam a continuar. Como romance este livro não estava a desempenhar bem o seu papel e como peça de teatro escrita também não me estava a convencer. Se estivesse a presenciá-la em palco seria uma outra questão e até quase que arrisco a dizer que iria adorar a peça! Mas assim surgiu a dualidade: ler ou largar? 254 páginas foram o pretexto para continuar.

A história está dividida em três partes e começa com Len e Pete a esperar por Mark na casa deste. Enquanto esperam pela chegada de Mark vão espreitando os recantos da casa e conversando sobre trivialidades. Os diálogos soam a absurdo e sem sentido, apesar de nem sempre o serem. E por vezes até parece que estão a ter uma conversa de surdos.
Ao longo dos capítulos vamos conhecendo um pouco de todos eles. Len trabalha numa estação de comboios, mas dedica-se também à música. Pete trabalha num escritório e passa os dias a desmiolar a cabeça da sua namorada Virginia com as suas argumentações de pseudo-intelectual. E Mark é um actor ao que parece falhado, que adora andar encaixado em mulheres, não colocando de lado a sua possível tentativa com Virginia. 
Os três amigos aparentemente têm uma amizade forte, sendo Virginia a figura extrínseca que poderá mexer nas arestas desta amizade, uma vez que a relação entre os três também tem as suas limitações: está restrita à intimidade de cada um, é frágil, impetuosa, perturbante e destrutiva.
Todo o ambiente em que se movimentam parece vazio e inseguro. Os personagens vão deambulando umas vezes pela casa de Mark, outras pela casa de Virginia, outras ainda por um parque ou por um pub qualquer da cidade londrina. Entre os diálogos e monólogos vão-se revelando as fragilidades e frustrações que, de capítulo em capítulo, encaminham-se para a nudez da verdade. Nestas controversas interlocuções, os nossos amigos ora argumentam sobre Shakespeare e Bach, ora discutem sobre os autocarros que fazem o percurso de Notting Hill, ora falam sobre o absurdo. E como já o disse, parece que não há um sentido. Os personagens andam perdidos entre si e os seus diálogos também. Existe um certo caos e uma certa vertigem em toda a história. O fim encontra a degradação destrutiva da amizade.

Todo este niilismo podia entusiasmar, mas sinceramente não me cativou. Talvez não fosse a altura ideal para o ler... O certo é que se o autor tivesse mais algum romance, eu não voltaria a lê-lo.

5 comentários:

Teté disse...

Também não me parece muito cativante! E com tantos que tenho aí para ler, pois, quem sabe talvez um dia... :)

Não li todos os escritores laureados com o Nobel da Literatura que referes (da Pearl li vários em adolescente), em contrapartida li alguns outros. Devias experimentar ler Llosa, que para mim foi uma agradável surpresa! E Orhan Pamuk está a cara metade a ler e a delirar, suponho que será um dos próximos! :D

Beijocas e continuação de boas leituras! Pelo meio, já se sabe que há um ou outro, que nos agradam menos... ;)

susemad disse...

Pois, por vezes, temos estas desilusões, Teté!
Quais os que já leste, que eu não tenho na lista e aconselhas?
Ando para ler Llosa já desde que ganhou o prémio, mas vou sempre adiando... Se não for até ao final deste ano, fica aqui registado que para o ano leio. ;)
Pois Pamuk gostei imenso e é daqueles que tenho de voltar muito em breve. Qual o que a tua cara metade está a ler?
Beijocas e uma boa semana de leituras para ti. E sim, pelo meio há sempre uma "ovelha negra", que coitadas não tem culpa e são bem bonitas. :p

Nota: Fui ver "Sangue do meu Sangue" de João Canijo e gostei imenso. O final é bastante violento visualmente, principalmente para nós mulheres, mas todo o filme merece todos os méritos. Principalmente as interpretações das actrizes Rita Balnco, Anabela Moreira e Cleia Almeida.

S. G. disse...

Olá,

É a segunda (má) opinião que leio em dois dias sobre romence. Este homem não era propriamente romancista, nem recebeu o prémio nobel pelos seus romances, apesar de tudo julgo que o olhar sobre este romance deve ser como uma experiência. Mesmo os romancistas chegam a um ponto onde têm que experimentar quebrar algumas regras e alguns ditâmes da construção ortodoxa de um romance.

Eu próprio fiz algumas experiências nobelescas...Espera só até leres Herta Müller :) mesmo com o Le Clézio (mal comecei tive de parar para não matar à nascença mais um nobel) não correu bem...

Já para não entrarmos na velha discussão da qualidade dos autores vencedores do nobel :)

Boas leituras...

S. G. disse...

:)

Também tenho um Orhan Pamuk!

Vou ler depois do némesis...

susemad disse...

Pois não é romancista, S. G. e nem tem culpa de eu não ter gostado da sua única tentativa de romance! Como refiro, este livro de romance não tem nada! Toda a história dialogante não me entusiasmou, nem tão pouco os personagens.

Pois, Herta Müller não sei se vou ler tão cedo. Já o Le Clézio tenho alguma curiosidade e por diversas vezes estive tentada em adquirir uma obra dele. Como ainda não a comprei, talvez o leia mesmo através de empréstimo.

Quanto aos laureados haveria muito que esmiuçar e nem sequer me sinto capaz para julgar a atribuição de um prémio a qualquer um deles. O certo é que atribuo mérito a todos os que já li mais do que uma obra.

Depois quero saber a tua opinião sobre Pamuk. ;)

Boas leituras!

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