quinta-feira, 7 de novembro de 2024

"o luto não é um problema a resolver"


Não me identifico com livros de autoajuda, mas há uns meses uma amiga emprestou-me este livro de Megan Devine, "Está tudo bem não estar tudo bem".  Agradeci-lhe e disse para mim mesma: - Porque não?

Nas primeiras semanas fui avançado nos capítulos, mas depois fiquei meses sem lhe pegar. Ficou esquecido na mesa de cabeceira. 

Entretanto voltei a ele vagarosamente e terminei-o. Confirmei que realmente não me identifico com livros deste género. No entanto, a autora foca pontos relevantes, como: o facto das palavras de consolo, por vezes serem tudo menos palavras de consolo; a pressão externa para que o enlutado volte depressa ao normal; a iliteracia emocional e cultura da culpa; o caminho ser extremamente solitário.

A vivência do luto é uma contínua travessia num deserto sem fim. Porque a realidade do luto é difícil e dolorosa e pouco ou nada se fala dela. Há uma cultura em apagar e silenciar o que devia ser falado. A dor de quem fica é minimizada, porque outros também já passaram por isso e não há nada de novo. É a vida! Daí que o luto é um caminho de solidão. Não há preparação e não, não se volta ao normal. Porque não há reparação para o irreparável, porque "o luto não é um problema a resolver" e porque o sofrimento surge em dias banais, como quem escuta: "- Já devias ter ultrapassado isso!"

Não há quem nos ampare a queda constante ao longo dos meses ou anos seguintes. Porque ninguém vai viver, sentir ou enfrentar a dor por nós. 

Contudo, do outro lado há o amor, que nos sustém ao de cima, que nos liberta e dá um sentido ao caminho.

#sobreaperda #dizeradeus #luto #vidaemorte

sábado, 2 de novembro de 2024

as casas e a memória

Rovaniemi, Finlândia 
 

"As casas são quem está dentro delas, e quando essas pessoas desaparecem, as casas também morrem sem saber. Levam com elas os cheiros, os recantos onde aconteceram coisas que não voltam a acontecer, mas que darão lugar a que outras pessoas construam nela memórias novas, e que voltem a chamar casa àquele sítio que já não o é para quem um dia a deixou vazia."

Aqui dentro faz muito barulho, Bruno Nogueira 

domingo, 20 de outubro de 2024

"Só para o caso de precisares..."


 "[...] e deixava-se ficar em frente à Zee TV ou às notícias, para não olhar para o cadeirão vazio ao seu lado, o de Naina... e para encher os ouvidos de som, risos e conversas severas, assuntos mundiais importantes, para proteger a mente do silêncio ensurdecedor que o recebia sempre que chegava a casa todos os dias há dois anos."

Pensei que partia para um livro sobre livros e afinal este livro de Sara Nisha Adams tem mais camadas. "A lista de leitura" não é tão leve como o imaginara aquando o iniciei. 

Aviso que para quem ainda não leu os livros mencionados da lista de leitura e não gosta de "spoilers", isso poderá ser um entrave. No entanto, este livro abarca muito mais que isso. 

Fala de solidão, de depressão e o quanto é necessário cuidar da nossa saúde mental. E é aí que entra o benefício dos livros, do quanto eles podem ajudar-nos e também serem aconchego em diferentes fases da nossa vida, e do poder das bibliotecas, enquanto serviço para as comunidades onde estão inseridas. 

Já o tinha visto pelas redes sociais, mas pouco me disse. Desta vez, nesta minha última visita à biblioteca, chamou-me. Talvez tenha sido Naina a sussurrar: "- Leva-o. Só para o caso de precisares...". 

Serviu como um bálsamo para estes dias menos bons. Por vezes, temos que deixar que as lágrimas caiam. 

Nota: Da lista, não li o último (nem conhecia): "Um bom partido" de Vikram Seth. Claro, que terei de o ler!

domingo, 6 de outubro de 2024

"a avó tem pássaros na cabeça"


"Ouvi dizer que a avó tem pássaros na cabeça.

Não é de estranhar que as aves se aproximem dela, pensando que é uma nuvenzinha."

Não é fácil envelhecer. Ficámos mais vagarosos, perdemos muitas das faculdades e o corpo parece não querer responder. Na verdade, voltamos ao início, de quando éramos pequeninos e precisávamos de quem olhasse por nós.

Quando somos crianças dizem-nos, constantemente, que parece que temos a cabeça nas nuvens. E vivemos muito no mundo do imaginário.

Assim, quando chegamos a velhinhos, por vezes a mente também viaja para outros lugares. "É como se as nuvens descessem à cabeça" e não nos deixassem seguir com a vida ou reconhecer aqueles que nos são queridos.

A maior dor é para quem cuida. Pois a demência num ente que nos é querido é algo que nos destrói e nem sempre é fácil de lidar.

"Nuvens na cabeça" de Elena Val é um livro belíssimo que nos mostra as fragilidades de uma criança e uma velhinha. E que nos ensina a nós, "que temos os pés bem assentes na terra", que nem tudo tem de ser questionado.

Deixar de lado a razão e a lógica e aprender a desfrutar dos momentos de amor são a magia para viver cada dia como se fosse único.

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

"Sol" de Diogo Carvalho


Passei parte da minha adolescência a ler ficção científica, por isso ler Sol de Diogo Carvalho foi um regressar a esse tempo. Li de um só fôlego. E digo-vos que o Diogo soube misturar bem todos os ingredientes, entre argumento e arte.

Tocando em temas como a destruição dos recursos e o aniquilamento das populações, Sol é uma história que envolve e capta a nossa atenção logo nas primeiras páginas e depois já não nos deixa parar.

Viajamos para um futuro onde o poder e ganância dos mais fortes arrasta para o "fundo dos mega edifícios na escuridão" os mais fracos. Os fortes colonizam, dominam a exploração espacial e descartam o não essencial.

Só que em todas as histórias tem de haver um herói, certo? Aqui temos Sol, uma rapariga que perdeu o pai em criança e que está prestes a perder também a mãe, infectada pela "doença dos colonos".

Mas até "aonde irias no Universo para salvar alguém que amas?"

quarta-feira, 31 de julho de 2024

"É preciso saber sair dos sítios no momento oportuno"

 


Tinha as expectativas em alta, porque Pátria foi um dos meus melhores livros do ano passado. Há dias terminei o Regresso dos Andorinhões de Fernando Aramburu e senti que fui atropelada e sobrevivi. Só que deixei de ser a mesma, após chegar até às entranhas de Toni.

Começamos em Agosto com Toni, o personagem deste livro, a informar-nos que não vai durar muito. Um ano. Foi o limite que colocou a si próprio. Aos 54 anos, prevê suicidar-se daqui a um ano e até diz-nos a data exata: 31 de julho, quarta-feira, à noite. 

"É o prazo que concedo a mim mesmo para pôr os meus assuntos em ordem e averiguar porque é que não quero continuar na vida."

Toni não gosta da vida e eu, nos primeiros meses, não consegui simpatizar com Toni. Pois o personagem, a par de ir libertando-se de objetos, decide também escrever notas retrospetivas de toda a sua vida ao longo desse ano que lhe resta. E no decorrer desses dias e meses fui dissecando Toni através das suas impressões. Daí que dei por mim a detestar e até sentir repulsa por este homem comum, professor de Filosofia, que tem um discurso, tantas vezes, repugnante para com as mulheres, e até de ódio para com os que lhe são mais próximos.

Só que à medida que os dias e meses vão avançando na história, a minha raiva apazigua-se e dou por mim enredada num turbilhão de outros sentimentos. 

A honestidade e a transparência das suas reflexões, com os seus altos e baixos, colocam a nu até os flashes da sua vida mais íntima. Toni desarma.

Questiono, questiono, questiono, ... 

Toni partilha o balanço da sua vida, com data de validade, em 802 páginas.

Poxa o quão a vida pode ser frágil e a solidão ruidosa!

"Há muito tempo que não me ria tanto. Não me ocorria outra forma de ocultar a tristeza que me embriagava."

Sim, porque... "É do caraças; se fores um homem, obrigam-te a morrer como um cão; se fores um cão, facilitam-te uma morte indolor, fazendo o mais possível para que estejas tranquilo e não te sintas só."

sábado, 20 de julho de 2024

"História de um desastre nuclear"


☢️ "Catorze dias é quanto dura a evolução da síndrome aguda da radiação. Em catorze dias uma pessoa morre..."

"A noite de 26 de abril de 1986... Numa só noite deslocámo-nos para um outro lugar da História."

"Demorei a escrever este livro... Quase vinte anos... Encontrei-me e conversei com antigos trabalhadores da central, cientistas, médicos, soldados, samosely [cidadãos que depois de evacuados preferiram voltar às suas casas]..."

"Durante toda a nossa vida, ou estávamos em guerra ou nos preparávamos para a guerra, sabemos tanto sobre ela - e de repente! A imagem do inimigo mudou."

"Nos primeiros tempos éramos todos transformados em objetos raros."

"O mundo está dividido: existimos nós, chernobylianos, e existem vocês, todas as outras pessoas. Reparou nisso? Nós aqui não especificamos: sou bielorrusso, sou ucraniano, sou russo..."

"Chernobyl acelerou a desintegração da União Soviética."

"A minha primeira viagem à Zona...

Durante a viagem eu pensava que estaria tudo coberto de cinzas. [...] Chegas e vês tudo bonito."

"... se eu não posso mudar nada na vida deste homem, tudo o que posso fazer é comer com ele a sanduíche contaminada, [...]".

"Veio para casa todo feliz... Com uma condecoração..."

"Fomos enganados. Fora-nos prometido que regressaríamos três dias depois."

"E eles não compreendiam o que tinha acontecido, queriam acreditar nos cientistas, em qualquer pessoa letrada, como um sacerdote. Mas ouviam repetidamente: <<Está tudo bem. Não tem nada de mal. É só lavar as mãos antes de comer...>> [...] estivemos todos envolvidos... No crime... [Silêncio.]"

Quis somente transcrever algumas das "Vozes de Chernobyl" para vos falar deste livro de Svetlana Alexievich, que me marcou profundamente. 

Não há palavras que consigam abarcar a dimensão desta tragédia. A autora soube fazê-lo de uma forma notável e impactante.

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