terça-feira, 14 de janeiro de 2025

"o som das vozes enche as diferentes dimensões do mundo"


Para além dos livros para crianças, de que tanto gosto, David Machado também surpreende sempre com os seus romances tão distintos recheados de camadas reflexivas.

Neste seu último livro, Os Dias do Ruído, o leitor entra no mundo vertiginoso de Laura através de uma narrativa estruturada para o "scroll", com "posts" fragmentados e aleatórios "publicados" por Laura.

Laura matou Amar, um terrorista islâmico, que preparava-se para cometer um atentado num café de Paris. (Algo que se fica a saber logo no início).

Como será este ato visto pelo mundo virtual em que Laura passa a flutuar?

"- O que fizeste não te define - decreta.
- Diz isso aos meus seguidores.
- Os teus seguidores também não te definem, Laura."

"O ruído persiste, mesmo que eu não esteja lá para o escutar. Isso tranquiliza-me mais do que estou disposta a admitir.
Por outro lado, receio de que se esqueçam de mim, impede-me de respirar fundo.
Mas quando é que a morte digital se tornou tão arrebatadora como a morte física?"

"Mas o esquecimento não é possível nesta época em que tudo está registado e as máquinas decidem sozinhas quando está na hora de olharmos para o passado.
Como podemos ser humanos sem nos esquecermos?"

"Todos os dias apareço nos meus murais para cuidar do reino virtual. Faço-o com delicadeza, como se tratasse de plantas. No interior do reino, o ruído é mais polifónico e estridente do que nunca, grita-se tudo e o seu contrário, a comunidade só funciona porque ninguém está a ouvir ninguém."

Nos dias de hoje... "Uma questão indispensável: é realmente possível parar e existir apenas num plano físico?"

Que vos parece?

Um livro que se lê num fôlego, mas que levanta tantas questões. Uma história que não nos deixa indiferentes e que fica a fervilhar no pensamento. Muito bom!

sábado, 4 de janeiro de 2025

"Bandolim"


"Bandolim",

foi como encontrar o caderno de memórias de Adília Lopes perdido num banco de jardim e já não o querer largar sem lê-lo até ao fim.


Adília Lopes:

é simplicidade e inteligência em cada camada dos seus versos.

é regressar à infância e a um tempo sem tempo.

é cheiro de casa e de conforto.

é vaguear por lembranças ora felizes, ora melancólicas.

é não limitar a palavra e o quão bonito pode ser um "Sou assim porque sim".

é surpresa a cada virar da página.

e beleza que só é explicável lendo.


Obrigada, Adília. Vou continuar a ler-te, sempre. 🤍 

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

"o luto não é um problema a resolver"


Não me identifico com livros de autoajuda, mas há uns meses uma amiga emprestou-me este livro de Megan Devine, "Está tudo bem não estar tudo bem".  Agradeci-lhe e disse para mim mesma: - Porque não?

Nas primeiras semanas fui avançado nos capítulos, mas depois fiquei meses sem lhe pegar. Ficou esquecido na mesa de cabeceira. 

Entretanto voltei a ele vagarosamente e terminei-o. Confirmei que realmente não me identifico com livros deste género. No entanto, a autora foca pontos relevantes, como: o facto das palavras de consolo, por vezes serem tudo menos palavras de consolo; a pressão externa para que o enlutado volte depressa ao normal; a iliteracia emocional e cultura da culpa; o caminho ser extremamente solitário.

A vivência do luto é uma contínua travessia num deserto sem fim. Porque a realidade do luto é difícil e dolorosa e pouco ou nada se fala dela. Há uma cultura em apagar e silenciar o que devia ser falado. A dor de quem fica é minimizada, porque outros também já passaram por isso e não há nada de novo. É a vida! Daí que o luto é um caminho de solidão. Não há preparação e não, não se volta ao normal. Porque não há reparação para o irreparável, porque "o luto não é um problema a resolver" e porque o sofrimento surge em dias banais, como quem escuta: "- Já devias ter ultrapassado isso!"

Não há quem nos ampare a queda constante ao longo dos meses ou anos seguintes. Porque ninguém vai viver, sentir ou enfrentar a dor por nós. 

Contudo, do outro lado há o amor, que nos sustém ao de cima, que nos liberta e dá um sentido ao caminho.

#sobreaperda #dizeradeus #luto #vidaemorte

sábado, 2 de novembro de 2024

as casas e a memória

Rovaniemi, Finlândia 
 

"As casas são quem está dentro delas, e quando essas pessoas desaparecem, as casas também morrem sem saber. Levam com elas os cheiros, os recantos onde aconteceram coisas que não voltam a acontecer, mas que darão lugar a que outras pessoas construam nela memórias novas, e que voltem a chamar casa àquele sítio que já não o é para quem um dia a deixou vazia."

Aqui dentro faz muito barulho, Bruno Nogueira 

domingo, 20 de outubro de 2024

"Só para o caso de precisares..."


 "[...] e deixava-se ficar em frente à Zee TV ou às notícias, para não olhar para o cadeirão vazio ao seu lado, o de Naina... e para encher os ouvidos de som, risos e conversas severas, assuntos mundiais importantes, para proteger a mente do silêncio ensurdecedor que o recebia sempre que chegava a casa todos os dias há dois anos."

Pensei que partia para um livro sobre livros e afinal este livro de Sara Nisha Adams tem mais camadas. "A lista de leitura" não é tão leve como o imaginara aquando o iniciei. 

Aviso que para quem ainda não leu os livros mencionados da lista de leitura e não gosta de "spoilers", isso poderá ser um entrave. No entanto, este livro abarca muito mais que isso. 

Fala de solidão, de depressão e o quanto é necessário cuidar da nossa saúde mental. E é aí que entra o benefício dos livros, do quanto eles podem ajudar-nos e também serem aconchego em diferentes fases da nossa vida, e do poder das bibliotecas, enquanto serviço para as comunidades onde estão inseridas. 

Já o tinha visto pelas redes sociais, mas pouco me disse. Desta vez, nesta minha última visita à biblioteca, chamou-me. Talvez tenha sido Naina a sussurrar: "- Leva-o. Só para o caso de precisares...". 

Serviu como um bálsamo para estes dias menos bons. Por vezes, temos que deixar que as lágrimas caiam. 

Nota: Da lista, não li o último (nem conhecia): "Um bom partido" de Vikram Seth. Claro, que terei de o ler!

domingo, 6 de outubro de 2024

"a avó tem pássaros na cabeça"


"Ouvi dizer que a avó tem pássaros na cabeça.

Não é de estranhar que as aves se aproximem dela, pensando que é uma nuvenzinha."

Não é fácil envelhecer. Ficámos mais vagarosos, perdemos muitas das faculdades e o corpo parece não querer responder. Na verdade, voltamos ao início, de quando éramos pequeninos e precisávamos de quem olhasse por nós.

Quando somos crianças dizem-nos, constantemente, que parece que temos a cabeça nas nuvens. E vivemos muito no mundo do imaginário.

Assim, quando chegamos a velhinhos, por vezes a mente também viaja para outros lugares. "É como se as nuvens descessem à cabeça" e não nos deixassem seguir com a vida ou reconhecer aqueles que nos são queridos.

A maior dor é para quem cuida. Pois a demência num ente que nos é querido é algo que nos destrói e nem sempre é fácil de lidar.

"Nuvens na cabeça" de Elena Val é um livro belíssimo que nos mostra as fragilidades de uma criança e uma velhinha. E que nos ensina a nós, "que temos os pés bem assentes na terra", que nem tudo tem de ser questionado.

Deixar de lado a razão e a lógica e aprender a desfrutar dos momentos de amor são a magia para viver cada dia como se fosse único.

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

"Sol" de Diogo Carvalho


Passei parte da minha adolescência a ler ficção científica, por isso ler Sol de Diogo Carvalho foi um regressar a esse tempo. Li de um só fôlego. E digo-vos que o Diogo soube misturar bem todos os ingredientes, entre argumento e arte.

Tocando em temas como a destruição dos recursos e o aniquilamento das populações, Sol é uma história que envolve e capta a nossa atenção logo nas primeiras páginas e depois já não nos deixa parar.

Viajamos para um futuro onde o poder e ganância dos mais fortes arrasta para o "fundo dos mega edifícios na escuridão" os mais fracos. Os fortes colonizam, dominam a exploração espacial e descartam o não essencial.

Só que em todas as histórias tem de haver um herói, certo? Aqui temos Sol, uma rapariga que perdeu o pai em criança e que está prestes a perder também a mãe, infectada pela "doença dos colonos".

Mas até "aonde irias no Universo para salvar alguém que amas?"

Pinturas populares (últimos 30 dias)